quinta-feira, 25 de junho de 2009

A Epopeia das Trevas (19)


«Então meu jovem como é que vai a vida na nossa Luanda-Somália? Os police continuam a roubar as coisas?» «Não meu kota, os police estão a roubar as mulheres. Os police mataram os bandidos todos lá no meu bairro. Agora já se pode andar à vontade às dezanove horas.


- Instalam aparelhos de ar condicionado potentes, os cabos queimam, incendeiam, ficam sem luz. Insistem, os cabos eléctricos da rua, os fusíveis, as casas ardem, e ainda insistem
- Dizem que a culpa é do governo.
Moradores em pânico ganham asas, voam, aterram na segurança da rua. Lamentam-se:
- A minha ventoinha está a arder.
- A minha aparelhagem foi-se.
- A minha geleira ardeu.
- O meu Dvd, acabado de comprar…
- Mentira, você roubou-o!
- E você, faz o quê?
- Ó raça, é fugir, o prédio parece que vai explodir.

Esperam que os bombeiros cheguem, que consigam desengarrafarem-se do trânsito e pouco ou nada restará. Quando chegarem, e a água que trazem acabar, não poderão fazer mais nada, porque não há bocas-de-incêndio. Se existissem, delas não sairia água. Apesar de duas bocas-de-incêndio institucionalizadas: Dum lado o inferno do governo, do outro o inferno da oposição. Há muitos incêndios devido a curto-circuitos. Os Jingola pós-parto são excelentes engenheiros electricistas.

O meu avanço encortina-se por remoinhos de fumo. Alguém pegou fogo a um monte de lixo na tentativa de o eliminar. Dentro de pouco tempo as redondezas serão engolidas pelo fog lixento. A zungueira solitária orienta a carne na banheira solidária. Enxota as moscas, que não se cansam de fazer ziguezagues. Alguém não está satisfeito com isso e com ela.
- Essa carne está podre, estragada. Vocês compram-na nos armazéns dos sênê (senegaleses) por preço baixo, lavam-na com muito detergente, põem-lhe muito sal, e vendem-na como se fosse chispe.
- Ah!.. Você quer-se complicar comigo, estragar o meu negócio.
O rádio acompanha-os, zune propaganda plurianual. Cozido principesco, habitual.
- Vamos criar colonatos e compramos o excedente da produção, depois armazenamos em silos, para as épocas de crise.
Com certeira, matreira convicção, como anjo da anunciação que parangonava.
- Os preços do Petróleo sobem muito. Isso é bom para nós.
E muito mau para nós. – Repicaram os sinos dos celeiros vazios.

A chuvada teimosa aligeirou várias famílias. Expurgadas dos bens, imploravam ao Altíssimo que reparasse as fugas das águas dos canos, onde Deus habita. Clamavam por ajuda terrena, do Governo da terra. A expectativa atenuava-se com a recomendação, que por agora não era possível fazer nada, porque existiam situações gravosas.
O dirigente terreal solenemente desvenda aos rostos desabrigados a recordação da inundação.
- Antanho aqui florescia magnificente eucaliptal. Um dique providencial, que segurava, desviava, acorrentava a correnteza das águas. Sem apelo arrancaram-nos, das suas carnes postaram negócio. Acenderam carvão para cozinharem e para venderem.

Imagem: http://perdidoeachado.blogspot.com/2008_03_01_archive.html

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