segunda-feira, 29 de junho de 2009

A Epopeia das Trevas (20)


A rabugice da idade anciã sem cidadania também se desabriga.
- A luz da terra prometida tarda. Não podemos conservar comida. Arrancámos só alguns eucaliptozinhos para apoiar a nossa deglutição.
- Os nossos venerandos amigos chineses instalaram os cabos eléctricos. Acabaram o trabalho, os Órfãos roubaram tudo. Acabou-se a celestial iluminação.
- Ser independente é o quê?! Escravos independentes é o quê?! Somos escravos, donos do nosso destino… como os cães.

A informação disseminava a antologia da cólera. Os Jingola sem luz, sem dinheiro para pilhas, não tinham acesso às ondas de Hertz. O tempo colava-se, escoava-se na atenção constante do vender subserviente. A cólera impava pela atenção emprestada. Os direitos de superfície catapultavam longânimes. A principesca informação minoritária aplaudia o defeso contra os desterrados. No fim do dia a fome em sociedade com a morte cobra a dívida, faz o balanço da mortandade. Os números mortais das epidemias, das fomes, deixaram de impressionar. Deixam motivos para a soberba se alegrar. Muitos rios a reinar, muita água, muita gente a morrer de cólera, porque não tem água. Aprofundam-se as caves do poder mas, temos fórmulas para o deter.

Junto do banco de urgência do hospital, as pessoas abandonadas pela independência aguardam pelos seus familiares doentes. Dormem dementes, dependentes do chão, em papelões. Produzem aparas, restos de comida, fezes, urina. É que reconstruíram o hospital, esqueceram-se dos sanitários externos. O administrador desata-se:
- Já lhes disse para saírem daqui. Parece-me que são surdos, ou simulam. Todos os dias nisto… já estou cansado. Não sei que gente é esta, quanto mais lhes falamos, fazem pior. A nossa população não está preparada para viver em sociedade. Nem com um exército de seguranças consigo impor-me.

Ruas com condutas de água rebentadas, jazem concorrência desleal aos reservatórios de água instalados no céu. Se acabassem os charcos, lagos imundos, ruas lamacentas, purulentas, as crianças ficariam infelizes, sem estes jardins infantis. Ilhadas, neste campo bem concentradas.

Chove, as pontes paliativas desabam e reinauguram-se. A travessia do negócio é ágil. Quando passar pelo grande esgoto, estarei mais ou menos a meio do caminho até Tule, ali para os lados de Viana.
Algumas zungueiras desesperadas movem a leveza das bacias vazias.
- Ai minha irmã!.. que será de nós. Os lagos onde sai o cacusso… o peixe, estão contaminados com a cólera. Vamos passar fome!
- É mentira deles, querem roubar-nos o negócio.
Disfarçam a tristeza com caudais de risos naturais, sem beneplácito. De repente desencaixam-se, piram-se, entrecruzam-se. A fuga de novos rumos desperta. A tenaz da conspícua lei do Politburo acerca-se. As sobras dos seus panos arrastam-se pelo chão. Na atrapalhação as crianças são atiradas de qualquer maneira para as costas. As bacias e as chinelas parecem fugir-lhes das mãos e dos pés. Uma nuvem de poeira misturada com lixo levanta-se. Parece um ciclone ou um tremor de terra. Fiscais e polícias trazem a aparição da grei triunfal… a perseguição.

Elas usaram um estratagema surpreendente. Discorreram, correram para um lago da chuva. Pararam quando a água lhes subiu por cima dos joelhos. Estavam… como se aguardassem o baptismo no rio Jordão. Os filhos às costas, as bacias nas cabeças, olhavam sorridentes, desafiadoras. Estavam num excelente refúgio. A fiscalidade e os polícias desistiram, sem coragem para a aventura. Receavam baptismo de água impura.

Imagem: Angola em fotos

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