A
Comissão do Golfo da Guiné e a Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul.
Doutor
Eugénio Costa Almeida
Eugénio Costa Almeida
Major
Luís Manuel Brás Bernardino
Luís Manuel Brás Bernardino
“….O
Atlântico Sul constitui uma ponte entre continentes irmãos […] e que hoje se
reúnem, aqui em Montevidéu, com um foco mais específico: o da dimensão
sul-atlântica. A importância do Atlântico Sul tem-se evidenciado no cenário
global na mesma proporção em que se projecta e com impulso cada vez maior, a
presença sul-americana e africana, seja pelo desenvolvimento económico e
social, seja pelos passos dados no caminho da sustentabilidade, seja pelas
descobertas de enormes reservas minerais e petrolíferas, seja pelos seus abundantes
recursos de biodiversidade. No plano do comércio internacional, outras áreas
marítimas, como o Índico e o Pacífico, atraem talvez maior atenção, por
concentrarem rotas de especial relevância para as maiores economias. Mesmo
nesse plano, contudo, o Atlântico Sul é, para nós, decisivo…”.
Discurso
do Ministro dos Negócios Estrangeiros do Brasil,
António de Aguiar Patriota na VIIª Reunião Ministerial da Zona de Paz e
Cooperação do Atlântico Sul, Montevidéu, 15 Janeiro 2013
António de Aguiar Patriota na VIIª Reunião Ministerial da Zona de Paz e
Cooperação do Atlântico Sul, Montevidéu, 15 Janeiro 2013
Introdução
Nos anos
mais recentes, a procura de recursos energéticos têm ganho uma maior
proeminência no contexto geoestratégico energético internacional, nomeadamente
devido ao facto do petróleo e do gás natural desempenharem um papel relevante
no quadro da balança energética global. A sua utilização, tendo em conta a
limitada disponibilidade destes recursos (não renováveis) contribui para
desenvolver novas dinâmicas nas Relações Internacionais e conduziu, segundo
Roland Pourtier, a uma reavaliação das estratégias energéticas, tanto nos
países produtores, como nos países consumidores, com repercussão muito
específica nas dinâmicas político-estratégicas em África e na América do Sul, e
nomeadamente na região que os ligam o Atlântico Sul (2011, pp.240-242).
Nesse
contexto, o Oceano Atlântico, na sua vertente mais a sul passou a ser uma área
de interesse estratégico para os Estados ribeirinhos, levando estes a
associarem-se em Organizações Regionais com vista a colmatar as suas
necessidades de segurança e defesa. Exemplo deste paradigma atual é a criação,
relativamente recente, da “Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul”
(ZOPACAS)[1]
e da “Comissão do Golfo da Guiné” (CGG) que têm em vista contribuir, entre
outras áreas de cooperação estratégica, para uma maior segurança e
desenvolvimento na região sul do Oceano Atlântico.
A
presente reflexão visa, neste contexto, analisar a intercolaboração estruturada
e conjuntural entre estas duas organizações multidisciplinares
(político-militares) do Atlântico Sul: a Zona de Paz e Cooperação do Atlântico
Sul e a Comissão do Golfo da Guiné, incidindo especialmente na temática da
segurança marítima e apontando cenários de cooperação estratégica para o
futuro.
Uma conceção
multilateral de cooperação para a segurança marítima e para o desenvolvimento
no Atlântico Sul
A ZOPACAS
resultou de uma proposta feita à ONU, pelo então Presidente brasileiro José
Sarney de Araújo Costa (15 Março 1985 a 15 Março 1990) com o apoio do
Presidente argentino Raúl Alfonsin Ricardo Foulkes (10 Dezembro 1983 a 05 Julho
1989), e visava a promoção da cooperação regional, a manutenção da paz e da
segurança dos países que aderiram ao projecto interzonal. Esta conjugação
político-estratégica argentino-brasileira teve por base uma articulação entre
os dois governos, por iniciativa do palácio do Itamaraty[2]
no período pós-Guerra das Malvinas[3]
e assentava na necessidade de colmatar as vulnerabilidades da região e a
prevalência de novas ameaças face a factores externos, principalmente porque
estávamos em final de ciclo da Guerra-Fria.
Assim, em
27 de Outubro de 1986, através da Resolução da ONU Nº 41/11 (que teve o voto
contrário dos EUA e as abstenções de Bélgica, França, Itália, Japão,
Luxemburgo, Holanda, República Federal da Alemanha e Portugal) foi criado este
fórum de dimensões múltiplas visando a cooperação Sul-Sul e tendo como
Estados-membros os países da costa leste da América do Sul e os da costa oeste
de África[4].
O objetivo principal era de ampliar o espaço geoestratégica para a integração e
colaboração regional, cooperando em múltiplos aspectos, mas centrado
essencialmente na vertente da segurança marítima e da cooperação estratégica
para o desenvolvimento sustentado.
Por outro
lado, a Comissão do Golfo da Guiné foi inicialmente idealizada em 19 de
Novembro de 1999 e viria a ser fundada em 3 de Julho de 2001, em Libreville
(Gabão), sendo membros da organização: República de Angola, República dos
Camarões, República do Congo (Brazza), Congo Democrático, Gabão,
Guiné-Equatorial, Nigéria e São Tomé e Príncipe. A organização representa um
quadro de concertação político-estratégico inovador destinado à cooperação para
o desenvolvimento, à prevenção, gestão e resolução de conflitos regionais (derivados
da falta de delimitação das fronteiras marítimas, da exploração económica e
comercial das riquezas naturais localizadas nos limites territoriais) e da
necessidade de potenciar a segurança coletiva na área, nomeadamente na vertente
da segurança marítima, que constituía e constitui, uma enorme vulnerabilidade
destes Estados e da região.
Quais
são então os aspetos que tornam estas regiões “estratégicas” para o mundo e que
levaram à sua criação? Certamente, como referiu o Ministro dos Negócios
Estrangeiros do Brasil, António Aguiar Patriota, na VIIª Reunião Ministerial da
Zona de Paz e Cooperação do Atlântica Sul, “…caminhamos, de forma cada vez
mais evidente, para um sistema internacional caracterizado por uma
multiplicidade de centros de poder. Está em curso um processo de difusão do
poder mundial, com o reconhecimento crescente do papel que é e pode ser
desempenhado pelos países em desenvolvimento…” e acrescenta ainda “… que
na economia, as maiores fontes de dinamismo para o crescimento económico,
centram-se hoje, na orla do Atlântico Sul …” (Montevideu, 15 de Janeiro de
2013).
Segundo
este ponto de vista, que concordamos, estas organizações tendem a ganhar maior
protagonismo e crescentemente a desenvolver maiores capacidades ao nível da
cooperação em áreas estratégicas, pois quem domina o desenvolvimento e a
segurança, domina os “…vazios estratégicos…” e irá ao nível de segurança
marítima e da defesa da soberania, contribuir para que o Atlântico Sul como um
espaço de diálogo, de cooperação e de paz.
Ao longo
dos quase trinta anos de existência da ZOPACAS e dos quase doze da CGG, nunca
estas organizações estiveram tão próximas e tão decididas a incrementar a
cooperação entre elas, pois existe uma multiplicidade de interesses na maioria
dos países da CGG que também pertencem à ZOPACAS. De salientar neste aspeto que
a recente “Declaração de Luanda” (27-29 de Novembro 2012) no seu ponto
32, salienta esta realidade, e que motiva uma necessidade de acompanhar esta
aproximação estratégica e perceber que o Atlântico Sul constitui uma área de
cooperação multilateral com reflexo na segurança e no desenvolvimento global.
Neste
contexto, salientamos ainda que o Golfo de Guiné, nomeadamente na sua parte da
África Central, ocupa uma posição geoestratégica relevante pois interliga as
outras sub-regiões africanas, onde a construção do importante oleoduto
“Chade-Camarões” e a sua eventual extensão para abranger e interligar o Níger,
a RCA, o Sudão e a Líbia, reforçam a dimensão estratégica desta região. A
região representa um mercado com cerca de 250 milhões de habitantes, num espaço
de oito países e é já responsável por mais de 15% da produção mundial de
petróleo. Assim, e tendo em vista a necessidade de garantir a estabilidade na
zona, rica em petróleo e já definida pelos EUA, como "…zona de
interesse vital…", o que justifica os investimentos realizados em São
Tomé e Príncipe (entre outras áreas) e a prioridade estratégica que AFRICOM
dedica a esta área do continente africano.
Assim,
salienta-se, a título de exemplo, que a Marinha dos EUA iniciou em 2009 a
instalação de um sofisticado sistema de radares de vigilância no espaço
marítimo são-tomense, cujo projeto foi orçado em cerca de 18 milhões de dólares
americanos. O sistema de radares de vigilância tem um alcance que abrange
praticamente toda a África Central, com especial incidência sobre a região do
Golfo da Guiné, visando a localização, identificação e obtenção de informações
dos navios que circulam neste espaço marítimo e assim controlando todas as
rotas navais que cruza estas paragens.
O projeto
a ser implementado enquadra-se no programa do Centro Regional de Vigilância
Marítima (Regional Maritime Awareness Center) no Golfo da Guiné, e visa
a proteção e segurança marítima da região que irá ser estendido a outros países
da costa africana (nomeadamente Cabo Verde), o que vai permitir identificar
embarcações que operam ilegalmente na zona, principalmente pesqueiros e
petroleiros que muitas vezes lavam os tanques poluindo nas águas territoriais.
Pelo facto da capacidade de resposta do país para interditar esses navios ser
praticamente nula, anuncia-se que a componente naval do AFRICOM está a preparar
um projeto de assistência naval para dotar os países do Golfo da Guiné de meios
navais de reação rápida, para dar complemento às informações que são recolhidas
pelo sistema de radares com ações concretas de abordagem e interdição marítima.
Estes exemplos, servem apenas para argumento da importância geoestratégica da
região e que os EUA, assim como outros países, já que já perceberão estão a
investir na segurança e no desenvolvimento nesta área do globo. Mas analisemos
mais em detalhe estas Organizações e as Regiões que lhe dão nome.
A
Comissão do Golfo da Guiné. Uma Organização necessária
A Cimeira
dos Chefes de Estado dos países da região realizada em 2001, no Gabão
(Libreville), levou os países do Golfo da Guiné a desenvolverem uma ideia
consensual, a de desenvolver uma cooperação estratégica para a segurança
regional nomeadamente na vertente marítima. Neste contexto, para um mandato de
três anos nomearam o presidente de São Tomé e Príncipe para o Secretariado
Executivo, ao passo que a sede da organização foi atribuída a Angola (estando
atualmente situada em Luanda).
Continue a ler aqui
Sem comentários:
Enviar um comentário