Lisboa – O “draft” de um habilitado memorando revela a
forma 'cruel' como as autoridades angolanas terão executados os activistas
Alves Kamulingue e Isaías Sebastião Cassule, raptados na via pública nos dias
27 e 29 de Maio de 2012, na saga de uma manifestação de veteranos e
desmobilizados que exigiam a actualização das suas pensões por parte do governo
do Presidente José Eduardo dos Santos.
Corpos: Cassule foi atirado no rio;
Kamulingue foi abandonado numa mata
Fonte: Club-k.net
De acordo com dados baseados do “draft”, a que o Club
K teve acesso, o activista (e ex-militar) Alves Kamulingue foi detido por
volta das 14 horas, nas mediações no Hotel Skyna, por alegadas tropas da
Unidade da Guarda Presidencial (UGP) e que o terão entregue na esquadra da
Polícia Nacional da Ingombota.
Kamulingue terá ficado sob a responsabilidade do chefe
de departamento da investigação criminal daquela repartição, Manuel Miranda,
também conhecido por “Chefe Miranda”.
Já o activista Isaías Cassule (descrito como
mobilizador de massas) não terá participado na referida manifestação de antigos
combatentes, mas tivera sido informado que o seu amigo Alves Kamulingue fora
levado pelos militares da UGP.
Em gesto de solidariedade, Cassule desdobrou-se em
contactos para fazer denuncias sobre a detenção/rapto daquele e programa uma
entrevista a Rádio Eclésia para dar sequência a sua agenda de denúncia.
No dia 29 de Maio do mesmo ano, Isaías Cassule
recebeu um telefonema de um indivíduo que se identificou apenas por “Tunga”,
alegando que tinha informações sobre o rapto de Kamulingue e, que inclusive,
lhe queria fazer chegar um suposto vídeo do amigo a ser levado.
Ao anoitecer, Cassule em companhia de um amigo de nome
Alberto António dos Santos vão ao encontro do suposto Tunga, no perímetro do
fontenário da Escola Angola e Cuba, no município do Cazenga, em Luanda.
Para ser facilmente identificado, o suposto Tunga
apareceu trajado de uma camisola com os dizeres “32 é Muito”, semelhante
aos dos jovens activistas do Movimento Revolucionário. Logo a seguir Cassule e
o seu amigo foram cercados por cinco elementos. Cassule é raptado e Alberto
Santos consegue escapar e denuncia logo o raptado do amigo.
Desde então, Alberto dos Santos, ex-mecânico da UGP,
tomou medidas de prevenção com receio de que pudesse ser também alvo dos
raptores. Mas, no dia 27 de Março de 2013, numa altura em que se encontrava num
dos mercados da capital, elementos da Direcção Nacional de Investigação
Criminal (DNIC) localizaram-no a partir do rastreamento efectuado através do
seu telemóvel e detiveram-no sob justificação de ter “participado no
sequestros” de Isaías Cassule.
Nos interrogatórios, foi questionado com quem terá
desabafado sobre o rapto do amigo. Porém, o chefe do Departamento de Crimes
contra Pessoas da DNIC, Fernando Recheado, e o instrutor do processo, Armindo
César, pediram a Alberto os Santos (na foto) para dizer que um partido da
oposição deu-lhe dinheiro para sequestrar Kamulingue e Cassule.
Fernando Recheado, inclusive, ameaçou-lhe de que se
não dissesse que era a UNITA (maior partido da oposição angolana) quem ordenou
os sequestros, seria mantido por muito tempo na cadeia.
Infelizmente, Alberto dos Santos, que fora posto em
liberdade em finais do mês de Setembro, ficou detido durante seis meses na
Comarca de Viana de Luanda, sem culpa formada.
AS EXECUÇÕES
Logo após ter sido detido, Isaías Cassule foi levado,
primeiramente, para uma esquadra policial. Suponha-se que foram os
"elementos do aparelho de segurança" que foram a sua busca para
posteriormente o levar para um outro lugar, onde foi espancado brutalmente
durante dois dias seguidos.
Literalmente, Isaías Cassule perdeu a vida por causa
do excesso de porrada, e o seu cadáver foi deitado no rio Dande, na província
do Bengo, precisamente numa área onde habita jacarés, que o devoraram.
Um elemento identificado por “Cheu”, tido como o homem
de ligação com o gabinete do governador provincial de Luanda, Bento Francisco
Bento, terá confessado a situação de Isaías Cassule e atribuiu a
responsabilidade aos elementos da delegação do Serviço de Inteligência e
Segurança de Estado (SINSE) de Luanda.
Por sua vez, Alves Kamulingue foi também alvo de
“treinos”, expressão usadas pelos operativos da DNIC, para se definir as
sessões de torturas. O mesmo terá sido executado com um tiro na cabeça. O
disparo terá sido feito por um oficial operativo da esquadra da Ingombotas,
identificado apenas por “Kiko”, suposto sobrinho da ministra do Ambiente,
Fátima Jardim. O corpo de Alves Kamulingue foi abandonado numa mata, fora de
Luanda.
No seguimento de acareações o autor do disparo teria
revelado que apenas cumpriu orientações do seu superior “Chefe Miranda”. Este
por sua vez, ao ser interpelado referiu que também "cumpriu supostamente
ordens" do director provincial da DPIC, de Luanda, António Pedro Amaro
Neto, que entretanto foi ouvido esta quarta-feira, 13.
Com base nas acareações anteriores, a DNIC despachou
para as referidas matas quadro oficiais identificados por David, Benchimole,
Jesus e Fernando Recheado, a fim de fazerem a reconstituição do crime. Estes
encontraram as supostas ossadas de Alves Kamulingue, e levaram consigo as suas
sapatilhas e roupas encontradas no local.
As autoridades decidiram manter em “top secret” o
assunto da descoberta do cadáver para evitar com que o tema viesse a superfície
quanto a forma da execução.
Quando se sucederam as referidas mortes, o
director-geral do SINSE, Sebastião José António Martins, acumulava igualmente o
cargo de ministro do Interior, e encontrava-se fora do país, na sequência de
autorização do Presidente José Eduardo dos Santos, para dar seguimento a um
tratamento de saúde (alude-se a existência de células cancerianas na garganta).
Bento Francisco Bento, o governador de
Luanda teria entretanto sido informado, sobre o que aconteceu, por
intermedio de um elemento de ligação junto ao seu gabinete que
participara na operação.
Ao regressar do exterior, Sebastião Martins tomou
igualmente conhecimento do assunto. Porém, foi notado em todas as partes
iniciativas tendentes a um acordo de cavalheiros a fim de se abafar o caso.
Porém, a divulgação de uma matéria do Club-K
detalhando sobre o assassinato dos dois activistas colocaria o plano por água a
baixo. As autoridades por intermédio da Procuradoria Geral da República, viram
se obrigadas a sair publicamente a fim de assumir "as detenções de
elementos que estariam envolvidos" no desaparecimento dos dois cidadãos.
De momento os responsáveis províncias da DNIC e do
SINSE estão a ser ouvidos, pela Procuradoria Geral da República, a fim de se
entender de onde partiu a ordem de execução. As acareações estão a ser
abalizadas por acusações mútuas. Os elementos da DNIC atribuem
responsabilidades aos colegas do SINSE, e estes alegam que os outros também
fizeram parte do crime.
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