Auschwitz: a “indústria da morte”
“Pela primeira vez, então, nos damos conta de que a nossa linguagem não tem palavras para expressar essa ofensa, essa aniquilação do ser humano”
(Primo Levi).
Para todos aqueles que vêem na racionalidade e no progresso tecnológico a esperança de um mundo melhor, a lembrança de Auschwitz, certamente, é paradoxal. A “indústria da morte”, idealizada e organizada com o auxílio da tecnologia e da burocracia mais avançada da época, é incomparável à qualquer barbárie anterior registrada na história da humanidade. Ao visitar somente o que restou de Auschwitz, 60 anos após, uma pergunta não quer calar: como o ser humano foi capaz de tudo isso? A própria pergunta já revela nossa crença num possível progresso da sociedade humana rumo a uma maior humanização ou civilização. Terrível é ter de admitir que aquilo que costumamos chamar de civilização produziu a moderna barbárie, uma situação que nem o mais pessimista dos filósofos alemães anteriores ao nazismo poderia sequer imaginar ou prever.
A existência de campos de extermínio de pessoas, como o de Auschwitz, pode ser compreendida como a concretização extrema de um ímpeto presente em muitas assim chamadas civilizações, ou seja, a eliminação intencionalmente planejada de seres humanos que estejam obstruindo interesses de grupos sociais hegemonicamente estabelecidos. Hitler afirmava claramente, em novembro de 1937, em seu discurso dirigido ao Ministro do Exterior e aos seus principais líderes militares, que em seu regime não se tratava de conquistar pessoas e sim territórios. O programa do partido nazista anunciava a necessidade de conquistar terra para alimentar o povo e assentar o excedente populacional alemão. A ideologia nazista, alicerçada na idéia de que o povo alemão é superior aos demais, se encarregava de pregar o ódio contra a democracia, o marxismo, os judeus e todos os que não se enquadrassem nos padrões e propósitos da dominação totalitária: os povos eslavos, os homossexuais, os deficientes físicos, os ciganos e os opositores políticos.
Com o objetivo de anexar territórios e abrir a passagem para o leste europeu a ser conquistado, a Polônia precisava ser arrasada. Hitler ordenava suas tropas para o extermínio sem piedade de homens, mulheres e crianças de origem polonesa, alegando que, somente assim, a Alemanha conquistaria o espaço necessário para sobreviver, acabando com a população residente e ocupando a área com assentamentos alemães. Como a Polônia contava com cerca de 3 milhões de judeus (10% da população do país), a construção de um campo de extermínio neste país não foi obra do acaso. A escolha de Auschwitz foi estratégica, tanto do ponto de vista do isolamento das vítimas, como na perspectiva da eficiência para o transporte, ao exterminar o inimigo no território em que ele existia em maior número e que deveria ser “liberado” para a ocupação nazista, com vistas ao avanço em direção ao inimigo maior: o bolchevismo judeu. Estima-se que para Auschwitz foram deportados, no mínimo, 1,1 milhões de judeus (a maioria da Hungria e da Polônia), 150 mil presos políticos poloneses, 23 mil ciganos, 15 mil presos de guerra soviéticos e mais 25 mil presos de outras nacionalidades, especialmente tchecos, franceses, jugoslavos, russos, ucranianos e alemães.
O plano dos nazistas previa o extermínio total dos judeus, chegando a anunciar o genocídio de 11 milhões na Europa e estima-se que tenha atingido, no total, 6 milhões de vítimas. A fábrica da morte em Auschwitz foi projetada e construída, prioritariamente, para exterminar judeus, enquanto outros campos de extermínio se ocupavam com os demais “inimigos declarados pelo nazismo”. O “crime” dos judeus era terem “nascido judeus” e o governo nazista se encarregava de classificá-los e enviá-los a Auschwitz, com a falsa promessa de que iriam ao leste para trabalhar. Paralelamente, a “indústria da morte” em Auschwitz contribuía com setores da indústria capitalista alemã, através do trabalho forçado, em função do fornecimento de gás para as câmaras de extermínio e, inclusive, através da apropriação dos bens das vítimas.
As vítimas podiam levar até 50 Kg de bagagem, a qual era confiscada já na chegada em Auschwitz. Roupas, calçados, instrumentos de trabalho, objetos de uso pessoal eram simplesmente roubados, classificados e enviados de volta à Alemanha. Os objetos de maior valor, como dinheiro e ouro (também o ouro dos dentes das vítimas) eram enviados diretamente ao Banco Central Alemão e não são raros os casos em que os soldados se apropriavam, imediatamente, de parte desses bens. Logo após a chegada, as vítimas eram obrigadas a se despir e entrar na “sala de desinfecção” onde recebiam uma roupa padronizada, um número em forma de tatuagem no braço e o cabelo era cortado, armazenado e enviado para a Alemanha, como “matéria-prima” para a indústria têxtil. Para ilustrar isso, quando as tropas soviéticas ocuparam Auschwitz, foram encontradas 7 toneladas de cabelo e uma infinidade de objetos das vítimas que ainda não haviam sido enviadas à Alemanha.
O extermínio foi racionalmente organizado, de tal forma, que pudesse eliminar o máximo de pessoas em menos tempo, com os menores custos e a maior eficiência do ponto de vista operativo. A rígida divisão do trabalho e a extrema organização da "indústria da morte", incorporou o conhecimento de geniais arquitetos, administradores, antropólogos, médicos, químicos, biológos, enfim, parte do conhecimento e da tecnologia mais avançada a serviço da destruição de seres humanos. Para Hitler e os principais líderes nazistas, havia, entretanto, mais um ingrediente importante na “indústria da morte”: o uso do terror como arma política. Segundo Hitler, qualquer um que tivesse a intenção de atacar o governo alemão iria rever sua posição ao saber do que o esperava nos campos de extermínio.
Esse efeito do terror sobre a sociedade os nazistas aproveitavam para dar o passo seguinte, de tal forma, que aquilo que, até então, parecia inimaginável à razão humana de que acontecesse, já estava sendo assimilado como conduta na lógica do extermínio. Assim, se sucederam os experimentos com as vítimas, usadas como cobaias para o desenvolvimento da medicina e da indústria farmacêutica alemã. As atrocidades mais famosas são as conduzidas pelo médico Josef Mengele com gêmeos e liliputianos. A documentação atualmente existente revela, no entanto, 178 diferentes tipos de experimentos médicos realizados, incluindo crueldades como injeções no olho sem anestesia com a intenção de mudar a cor, esterilizações, contaminação com vírus e bactérias causadores de doenças, amputações e retirada de órgãos.
O nazistas demonstraram claramente à humanidade que é perfeitamente possível estimular a ciência e utilizá-la a serviço da destruição do próprio ser humano e pasmem: sem que os responsáveis pela produção do conhecimento e sua utilização tenham algum peso na consciência ou um sentimento de culpa quanto a isso. Os soldados nazistas que estiveram em Auschwitz e que ainda estão vivos, ao serem perguntados sobre sua responsabilidade no genocídio, respondem que, simplesmente, procuram não pensar no que aconteceu com as vítimas, que eles estavam cumprindo ordens e assim conseguem viver de forma bem tranqüila com seu passado. O mesmo comportamento é verificável no âmbito de muitas áreas da ciência contemporânea dominadas pela razão instrumental, onde os pesquisadores sequer questionam as conseqüências da utilização do seu conhecimento, como se o uso e a produção do conhecimento estivessem isolados. São os efeitos daquilo que Herbert Marcuse denominou de caráter ideológico da técnica e da ciência, fruto do racionalismo moderno, com potencial de produção da barbárie em patamares ainda desconhecidos.
Por isso, a diferença entre Ausschwitz e as barbáries anteriores da história humana não é só gradual pela sua intensidade, mas foi produzida de maneira substancialmente diferenciada, ao incorporar, de forma original, a racionalidade a serviço da destruição humana, de tal forma, que o efeito comparativo se anula. Auschwitz inaugura, assim, uma nova versão da barbárie, a qual opera como indústria, como uma máquina, diante da qual os protagonistas aparecem de forma invertida, seja como pseudo-vítimas, seja como colaboradores de um processo exterminador, no qual o contato direto com as vítimas é, parcialmente, isolado pela própria lógica da organização.
Esse é um detalhe passível de verificação em Auschwitz: as próprias vítimas eram obrigadas a executar as tarefas mais degradantes ao ser humano, seja a retirada dos corpos das câmaras de gás como sua transferência aos fornos de cremação. As vítimas não somente imaginavam o que, em seguida, iria acontecer com elas, como já vivenciavam, concretamente, sua exterminação coletiva, na qual eram obrigadas a contribuir na forma de trabalho forçado. A destruição da humanidade das vítimas, portanto, já se dava antes da sua destruição física. Como descreve Primo Levi, um dos sobreviventes do Holocausto, um campo de concentração é uma grande engrenagem projetada para transformar seres humanos em animais. Resistir à lógica desta máquina desumanizadora é muito difícil e doloroso.
O que aconteceu em Auschwitz mudou as noções de barbárie que a humanidade conheceu ao longo da história e mostrou, objetivamente, do que o ser humano é capaz. O paradoxo da civilização moderna que Theodor Adorno, em suas obras Dialektik der Auflärung, de 1944, e Minima Moralia, de 1945, corretamente caracterizou de progresso regressivo, aconteceu e continua atual em nossa geração, marcada pelo predomínio da racionalidade instrumental. O caráter contraditório do progresso e da civilização nos tempos modernos, brilhantemente abordado e discutido pela tradição da Escola de Frankfurt, merece uma atenção especial quando nos confrontamos com as brutalidades e genocídios presentes em nosso tempo.
Auschwitz é um exemplo para demonstrar que, se não temos como provar, objetivamente, a vigência de um período na história em que a exploração e a destruição humanas não tenham existido, sua intensificação e aprofundamento são perfeitamente possíveis. Prafraseando Adorno, como a barbárie continua em curso, o desafio racional da nossa existência é construir a antítese na sociedade, de tal forma que seja possível à história produzir uma síntese mais humana do que a que temos consciência, para que genocídios como os de Auschwitz não se repitam jamais.
http://www.espacoacademico.com.br/052/52andrioli.htm
Imagem: http://pt.wikipedia.org/wiki/Auschwitz-Birkenau
Portão principal de Auschwitz I, onde se lê a frase Arbeit macht frei ("O trabalho liberta"). Foto de 2005.
“Pela primeira vez, então, nos damos conta de que a nossa linguagem não tem palavras para expressar essa ofensa, essa aniquilação do ser humano”
(Primo Levi).
Para todos aqueles que vêem na racionalidade e no progresso tecnológico a esperança de um mundo melhor, a lembrança de Auschwitz, certamente, é paradoxal. A “indústria da morte”, idealizada e organizada com o auxílio da tecnologia e da burocracia mais avançada da época, é incomparável à qualquer barbárie anterior registrada na história da humanidade. Ao visitar somente o que restou de Auschwitz, 60 anos após, uma pergunta não quer calar: como o ser humano foi capaz de tudo isso? A própria pergunta já revela nossa crença num possível progresso da sociedade humana rumo a uma maior humanização ou civilização. Terrível é ter de admitir que aquilo que costumamos chamar de civilização produziu a moderna barbárie, uma situação que nem o mais pessimista dos filósofos alemães anteriores ao nazismo poderia sequer imaginar ou prever.
A existência de campos de extermínio de pessoas, como o de Auschwitz, pode ser compreendida como a concretização extrema de um ímpeto presente em muitas assim chamadas civilizações, ou seja, a eliminação intencionalmente planejada de seres humanos que estejam obstruindo interesses de grupos sociais hegemonicamente estabelecidos. Hitler afirmava claramente, em novembro de 1937, em seu discurso dirigido ao Ministro do Exterior e aos seus principais líderes militares, que em seu regime não se tratava de conquistar pessoas e sim territórios. O programa do partido nazista anunciava a necessidade de conquistar terra para alimentar o povo e assentar o excedente populacional alemão. A ideologia nazista, alicerçada na idéia de que o povo alemão é superior aos demais, se encarregava de pregar o ódio contra a democracia, o marxismo, os judeus e todos os que não se enquadrassem nos padrões e propósitos da dominação totalitária: os povos eslavos, os homossexuais, os deficientes físicos, os ciganos e os opositores políticos.
Com o objetivo de anexar territórios e abrir a passagem para o leste europeu a ser conquistado, a Polônia precisava ser arrasada. Hitler ordenava suas tropas para o extermínio sem piedade de homens, mulheres e crianças de origem polonesa, alegando que, somente assim, a Alemanha conquistaria o espaço necessário para sobreviver, acabando com a população residente e ocupando a área com assentamentos alemães. Como a Polônia contava com cerca de 3 milhões de judeus (10% da população do país), a construção de um campo de extermínio neste país não foi obra do acaso. A escolha de Auschwitz foi estratégica, tanto do ponto de vista do isolamento das vítimas, como na perspectiva da eficiência para o transporte, ao exterminar o inimigo no território em que ele existia em maior número e que deveria ser “liberado” para a ocupação nazista, com vistas ao avanço em direção ao inimigo maior: o bolchevismo judeu. Estima-se que para Auschwitz foram deportados, no mínimo, 1,1 milhões de judeus (a maioria da Hungria e da Polônia), 150 mil presos políticos poloneses, 23 mil ciganos, 15 mil presos de guerra soviéticos e mais 25 mil presos de outras nacionalidades, especialmente tchecos, franceses, jugoslavos, russos, ucranianos e alemães.
O plano dos nazistas previa o extermínio total dos judeus, chegando a anunciar o genocídio de 11 milhões na Europa e estima-se que tenha atingido, no total, 6 milhões de vítimas. A fábrica da morte em Auschwitz foi projetada e construída, prioritariamente, para exterminar judeus, enquanto outros campos de extermínio se ocupavam com os demais “inimigos declarados pelo nazismo”. O “crime” dos judeus era terem “nascido judeus” e o governo nazista se encarregava de classificá-los e enviá-los a Auschwitz, com a falsa promessa de que iriam ao leste para trabalhar. Paralelamente, a “indústria da morte” em Auschwitz contribuía com setores da indústria capitalista alemã, através do trabalho forçado, em função do fornecimento de gás para as câmaras de extermínio e, inclusive, através da apropriação dos bens das vítimas.
As vítimas podiam levar até 50 Kg de bagagem, a qual era confiscada já na chegada em Auschwitz. Roupas, calçados, instrumentos de trabalho, objetos de uso pessoal eram simplesmente roubados, classificados e enviados de volta à Alemanha. Os objetos de maior valor, como dinheiro e ouro (também o ouro dos dentes das vítimas) eram enviados diretamente ao Banco Central Alemão e não são raros os casos em que os soldados se apropriavam, imediatamente, de parte desses bens. Logo após a chegada, as vítimas eram obrigadas a se despir e entrar na “sala de desinfecção” onde recebiam uma roupa padronizada, um número em forma de tatuagem no braço e o cabelo era cortado, armazenado e enviado para a Alemanha, como “matéria-prima” para a indústria têxtil. Para ilustrar isso, quando as tropas soviéticas ocuparam Auschwitz, foram encontradas 7 toneladas de cabelo e uma infinidade de objetos das vítimas que ainda não haviam sido enviadas à Alemanha.
O extermínio foi racionalmente organizado, de tal forma, que pudesse eliminar o máximo de pessoas em menos tempo, com os menores custos e a maior eficiência do ponto de vista operativo. A rígida divisão do trabalho e a extrema organização da "indústria da morte", incorporou o conhecimento de geniais arquitetos, administradores, antropólogos, médicos, químicos, biológos, enfim, parte do conhecimento e da tecnologia mais avançada a serviço da destruição de seres humanos. Para Hitler e os principais líderes nazistas, havia, entretanto, mais um ingrediente importante na “indústria da morte”: o uso do terror como arma política. Segundo Hitler, qualquer um que tivesse a intenção de atacar o governo alemão iria rever sua posição ao saber do que o esperava nos campos de extermínio.
Esse efeito do terror sobre a sociedade os nazistas aproveitavam para dar o passo seguinte, de tal forma, que aquilo que, até então, parecia inimaginável à razão humana de que acontecesse, já estava sendo assimilado como conduta na lógica do extermínio. Assim, se sucederam os experimentos com as vítimas, usadas como cobaias para o desenvolvimento da medicina e da indústria farmacêutica alemã. As atrocidades mais famosas são as conduzidas pelo médico Josef Mengele com gêmeos e liliputianos. A documentação atualmente existente revela, no entanto, 178 diferentes tipos de experimentos médicos realizados, incluindo crueldades como injeções no olho sem anestesia com a intenção de mudar a cor, esterilizações, contaminação com vírus e bactérias causadores de doenças, amputações e retirada de órgãos.
O nazistas demonstraram claramente à humanidade que é perfeitamente possível estimular a ciência e utilizá-la a serviço da destruição do próprio ser humano e pasmem: sem que os responsáveis pela produção do conhecimento e sua utilização tenham algum peso na consciência ou um sentimento de culpa quanto a isso. Os soldados nazistas que estiveram em Auschwitz e que ainda estão vivos, ao serem perguntados sobre sua responsabilidade no genocídio, respondem que, simplesmente, procuram não pensar no que aconteceu com as vítimas, que eles estavam cumprindo ordens e assim conseguem viver de forma bem tranqüila com seu passado. O mesmo comportamento é verificável no âmbito de muitas áreas da ciência contemporânea dominadas pela razão instrumental, onde os pesquisadores sequer questionam as conseqüências da utilização do seu conhecimento, como se o uso e a produção do conhecimento estivessem isolados. São os efeitos daquilo que Herbert Marcuse denominou de caráter ideológico da técnica e da ciência, fruto do racionalismo moderno, com potencial de produção da barbárie em patamares ainda desconhecidos.
Por isso, a diferença entre Ausschwitz e as barbáries anteriores da história humana não é só gradual pela sua intensidade, mas foi produzida de maneira substancialmente diferenciada, ao incorporar, de forma original, a racionalidade a serviço da destruição humana, de tal forma, que o efeito comparativo se anula. Auschwitz inaugura, assim, uma nova versão da barbárie, a qual opera como indústria, como uma máquina, diante da qual os protagonistas aparecem de forma invertida, seja como pseudo-vítimas, seja como colaboradores de um processo exterminador, no qual o contato direto com as vítimas é, parcialmente, isolado pela própria lógica da organização.
Esse é um detalhe passível de verificação em Auschwitz: as próprias vítimas eram obrigadas a executar as tarefas mais degradantes ao ser humano, seja a retirada dos corpos das câmaras de gás como sua transferência aos fornos de cremação. As vítimas não somente imaginavam o que, em seguida, iria acontecer com elas, como já vivenciavam, concretamente, sua exterminação coletiva, na qual eram obrigadas a contribuir na forma de trabalho forçado. A destruição da humanidade das vítimas, portanto, já se dava antes da sua destruição física. Como descreve Primo Levi, um dos sobreviventes do Holocausto, um campo de concentração é uma grande engrenagem projetada para transformar seres humanos em animais. Resistir à lógica desta máquina desumanizadora é muito difícil e doloroso.
O que aconteceu em Auschwitz mudou as noções de barbárie que a humanidade conheceu ao longo da história e mostrou, objetivamente, do que o ser humano é capaz. O paradoxo da civilização moderna que Theodor Adorno, em suas obras Dialektik der Auflärung, de 1944, e Minima Moralia, de 1945, corretamente caracterizou de progresso regressivo, aconteceu e continua atual em nossa geração, marcada pelo predomínio da racionalidade instrumental. O caráter contraditório do progresso e da civilização nos tempos modernos, brilhantemente abordado e discutido pela tradição da Escola de Frankfurt, merece uma atenção especial quando nos confrontamos com as brutalidades e genocídios presentes em nosso tempo.
Auschwitz é um exemplo para demonstrar que, se não temos como provar, objetivamente, a vigência de um período na história em que a exploração e a destruição humanas não tenham existido, sua intensificação e aprofundamento são perfeitamente possíveis. Prafraseando Adorno, como a barbárie continua em curso, o desafio racional da nossa existência é construir a antítese na sociedade, de tal forma que seja possível à história produzir uma síntese mais humana do que a que temos consciência, para que genocídios como os de Auschwitz não se repitam jamais.
http://www.espacoacademico.com.br/052/52andrioli.htm
Imagem: http://pt.wikipedia.org/wiki/Auschwitz-Birkenau
Portão principal de Auschwitz I, onde se lê a frase Arbeit macht frei ("O trabalho liberta"). Foto de 2005.
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