quarta-feira, 1 de julho de 2009

A Epopeia das Trevas (21)


O assédio terminou, elas fizeram algazarra, por mais uma vitória conseguida. A guerra da fome é injusta, desigual. Elas voltariam a lutar contra o atrevimento da fome da comida e da ditadura.
A nossa luta continua, com os olhos quase sempre no chão. O que resta das ruas e das armadilhas dos buracos, que parece ter acontecido uma imensa chuva de meteoritos. Os pés têm que ser muito cuidadosos. Alguns afogaram-se, apareceram cadavéricos nas covas aterradoras.

Uma grande agitação surgiu. Para aí uma dezena de cavalos de Tróia metálicos, cavalgados por guerreiros fortemente armados. Desmontam, assediam as desmuradas casas. Os Jingola imploram o nome do rei… em vão! Fogem das tocas, do desmoronamento marcial. A conspurcada demolição teve efeito, o pretexto de que são necessários hotéis para alojamento de turistas. Habituados ao pavor libertador, há quem escarneça.
- É para alojar os ratos de hotel deles. Caminhamos, outra coisa não se vê.
- Com tanta espécie de ratazanas mundiais aqui apontadas, dá para construir um museu de mastozoologia.

A derrota da democracia segue frígida, sem eleições. Como o cavalo, trota, salta. O cavaleiro medieval instituído catapulta.
Os reinantes emanciparam-se com a produção petrolífera. Para sobreviverem, os Jingola emanciparam as suas esposas. Elas assumiram, dosearam com estoicismo a hercúlea irresponsabilidade do deus protector das lareiras. Heroicamente inventaram qualquer coisa para venderem. Tresmalhadas, conseguem comer algo durante o dia, à noite não. Sacrificadas, obedientes à fome, superaram casebres, compraram geleiras a prestamistas, ventoinhas para silenciar, afastar a mosquitada. Ganharam grande amizade com a fome, para adquirirem o martírio de assistirem à programação da TV Jingola, e a ilusão da paixão sentida das telenovelas. Aparelhagem para dançar, batucar. Dependiam da má vontade, da arrogância, da ganância dos reinantes, do gosto de ver tudo às escuras. Perdiam episódios novelísticos, devido às intermitências voltaicas, e desgarravam-se.

Os Órfãos das guerras do regime apertavam vigilância. Movidos pelo apetite voraz dos pertences de outrem, esgueiravam o ónus das pias Jingola. Eram vãos os protestos. As almas-danadas pedravam.
- Tudo confiscado. Vocês compram, nós roubamos. Não se incomodem com os prantos.
Uma jovem desbloqueia-se.
- Tudo surripiado. Nós compramos, vocês levantam. Calceteiros na terra de ninguém.
Os Órfãos habituados, nascidos, crescidos, desenvolvidos nas guerras da negritude estalinista não debandaram sub-repticiamente. Foram-se como se saíssem dos seus pardieiros. A multidão desacoita-se, amontoa-se às dezenas, centenas. Duas moçoilas desalinhadas requebram-se.
- Foi a polícia do Fouché, do Estaline?
- Sua parva, pensas que estás aonde? Foi a política dos Politburo.
- E há alguma diferença?

Um embriagado e recém-chegado pelos dotes da rapina neocolonialista saúda:
- Não queremos casebres! Não queremos casas de chapas! Não queremos palhotas! Vivam as casernas dos Lares Patriotas! Vivam os da Nova Vida! Vivam os Zangados!
Protestos impopulares são enviados. Uma onda vozeira ecoa pelos retintos labirínticos. As tolas entontecem.
- Não queremos casernas? Não queremos cavernas? Viva o ar milionário da Ilha do Cabo? Viva a má vida? Então querem o quê!?

Imagem: Angola em fotos

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