"Se transportava medicamentos, porquê impediram o acesso de outras forças? porquê não apresentaram à alfândega a declaração de carga?
EL PAÍS
POR FRANCESC RELEA 28/06/2009
Porquê o Ministério da Defesa não sabia nada?". As perguntas da directora da Polícia Judiciária seguem sem resposta, mas há um dado que despeja qualquer dúvida. A DEA e o FBI informam às autoridades guineenses que o piloto do avião suspeito, Carmelo Vázquez Guerra, com passaporte venezuelano, foi detido em Abril de 2006 no aeroporto mexicano de Cidade de Carmen (Campeche) depois de aterrar aos comandos dum DC-9 com cinco toneladas e meia de cocaína. Naquela ocasião acabou esfumando-se. A polícia antidroga do México acusa-o de pertencer ao cartel de Sinaloa, uma das duas principais bandas mafiosas que operam naquele país. Chega a Bissau uma ordem internacional de captura contra o piloto, enquanto polícias de várias nacionalidades buscam a droga. "Trabalhámos um fim-de-semana inteiro para conceder a extradição", explica Carmelita Pires, ministra da Justiça da época. A droga não aparece e, o que é pior, na segunda-feira seguinte, o juiz de instrução, com a conivência do ministério público, decreta a liberdade de todos os detidos por falta de provas, três latino-americanos e um guineense.
Pedro Nfanda, advogado do piloto e do co-piloto, alega problemas de incompetência por não existir tratado bilateral de extradição entre a Guiné-Bissau e o México. Nfanda é conhecido por ter defendido vários acusados de narcotráfico. O seu cliente mais conhecido é o contra-almirante José Américo Bubo Na Tchuto, ex-chefe da Marinha e refugiado na Gambia desde finais do ano passado por uma intentona golpista. São do domínio público os relatos sobre a vida alegre e de ostentação de Bubo, cujo apodo aparece em todas as listas da rede local de traficantes de droga. Numa entrevista no seu escritório, o advogado Nfanda anuncia a sua intenção de ser candidato às eleições presidenciais de 28 de Junho. "Creio que posso aportar algo distinto da política do meu país", declara.
Passaram 10 meses e os dois reactores abandonados numa pista do aeroporto Osvaldo Vieira de Bissau são testemunhos mudos da impunidade com que se move o crime organizado na África Ocidental. "Não poderia a mão no fogo por ninguém, realmente por ninguém", confessa Lucinda Barbosa. "Os guineenses necessitam de ver uma condenação, ainda que só seja uma, para exemplo de que o Estado funciona minimamente", suplica a ex-ministra Pires, que dirigiu o Plano Nacional de Combate ao Narcotráfico até à sua recente demissão. [Em Dezembro de 2005, a polícia espanhola desbaratou uma rede de narcotraficantes colombianos que operavam desde a Guiné-Bissau com avionetas carregadas de droga. Uma delas, pilotada por alemães, foi interceptada no aeródromo segoviano com 106 quilos de cocaína]. "Não se fez nada", admite Pires, compungida na hora de desenhar um cenário de impunidade e cumplicidade ao mais alto nível.
Os militares são parte do problema, diz mais de uma voz na Guiné-Bissau. Para tratar de acabar com o problema está desdobrada a Missão da União Europeia para a Reforma do Sector de Segurança, que dirige desde há um ano o general espanhol Juan Esteban Verástegui, de 66 anos. O objectivo é reduzir drasticamente os 4.500 efectivos dum Exército obsoleto, com três vezes mais oficiais que soldados, a maioria dos quais nem aparece pelos quartéis, que caem em pedaços, porque não há nada que fazer. Como A Mura, sede da zona militar do centro, que abarca Bissau e a sua região. À entrada há três soldados entrados nos anos, sem armamento e com escassa disposição à vigilância. Um deles está deitado no solo, literalmente, sobre una esteira. É a hora da sesta.
"É um exército de velhos e há que jubilar a maioria", diz Franco Nulli, embaixador da União Europeia. Uns 3.000 uniformizados passaram à reforma, segundo o plano previsto. Antes é preciso garantir um fundo de pensões alimentado pela comunidade internacional durante quatro ou cinco anos enquanto o Estado saneia as suas finanças. "As comissões existem e trabalham com apoio internacional, mas os fundos chegam a conta-gotas, porque há muita desconfiança", reconhece Nulli. Entretanto, a cocaína segue o seu trajecto através da Guiné-Bissau, deixando como único rasto o aumento da corrupção e dos pequenos consumidores de restos de droga que se perdem pelo caminho. Os benefícios do negócio ficam afastados.
"O maior problema das Forças Armadas da Guiné-Bissau é que não estão controladas, nem enquadradas, sem um comando claro. É um reino de Taifas, onde manda cada comandante de zona. Numa situação de descontrolo florescem as iniciativas pessoais", explica o general Verástegui, cuja folha de serviços combina missões de paz em pontos quentes, como a República Democrática do Congo, Guatemala, Bosnia-Herzegovina. "É muito fácil corromper na Guiné-Bissau. A tentação de entrar no negócio da droga está em todos os sectores", diz o general, que está convencido de que existe uma rota africana para o tráfico de droga – "os narcos ensaiam diversas rotas" –, ainda que prefere não entrar em detalhes sobre a Guiné-Bissau. Prefere descrevê-la como uma rota alternativa dos grandes cartéis da droga. "Nunca põem os ovos no mesmo cesto". Na sua opinião, a Guiné-Bissau é uma nação vulnerável, que está no centro de todas as acusações, mas as miradas deveriam dirigir-se também a outros países da região. Sem ir muito longe, a vizinha Guiné-Conacri, onde a junta militar que tomou o poder em Dezembro passado depois dum golpe de Estado leva a cabo uma intensa campanha para limpar a imagem corrupta das instituições. –
EL PAÍS
POR FRANCESC RELEA 28/06/2009
Porquê o Ministério da Defesa não sabia nada?". As perguntas da directora da Polícia Judiciária seguem sem resposta, mas há um dado que despeja qualquer dúvida. A DEA e o FBI informam às autoridades guineenses que o piloto do avião suspeito, Carmelo Vázquez Guerra, com passaporte venezuelano, foi detido em Abril de 2006 no aeroporto mexicano de Cidade de Carmen (Campeche) depois de aterrar aos comandos dum DC-9 com cinco toneladas e meia de cocaína. Naquela ocasião acabou esfumando-se. A polícia antidroga do México acusa-o de pertencer ao cartel de Sinaloa, uma das duas principais bandas mafiosas que operam naquele país. Chega a Bissau uma ordem internacional de captura contra o piloto, enquanto polícias de várias nacionalidades buscam a droga. "Trabalhámos um fim-de-semana inteiro para conceder a extradição", explica Carmelita Pires, ministra da Justiça da época. A droga não aparece e, o que é pior, na segunda-feira seguinte, o juiz de instrução, com a conivência do ministério público, decreta a liberdade de todos os detidos por falta de provas, três latino-americanos e um guineense.
Pedro Nfanda, advogado do piloto e do co-piloto, alega problemas de incompetência por não existir tratado bilateral de extradição entre a Guiné-Bissau e o México. Nfanda é conhecido por ter defendido vários acusados de narcotráfico. O seu cliente mais conhecido é o contra-almirante José Américo Bubo Na Tchuto, ex-chefe da Marinha e refugiado na Gambia desde finais do ano passado por uma intentona golpista. São do domínio público os relatos sobre a vida alegre e de ostentação de Bubo, cujo apodo aparece em todas as listas da rede local de traficantes de droga. Numa entrevista no seu escritório, o advogado Nfanda anuncia a sua intenção de ser candidato às eleições presidenciais de 28 de Junho. "Creio que posso aportar algo distinto da política do meu país", declara.
Passaram 10 meses e os dois reactores abandonados numa pista do aeroporto Osvaldo Vieira de Bissau são testemunhos mudos da impunidade com que se move o crime organizado na África Ocidental. "Não poderia a mão no fogo por ninguém, realmente por ninguém", confessa Lucinda Barbosa. "Os guineenses necessitam de ver uma condenação, ainda que só seja uma, para exemplo de que o Estado funciona minimamente", suplica a ex-ministra Pires, que dirigiu o Plano Nacional de Combate ao Narcotráfico até à sua recente demissão. [Em Dezembro de 2005, a polícia espanhola desbaratou uma rede de narcotraficantes colombianos que operavam desde a Guiné-Bissau com avionetas carregadas de droga. Uma delas, pilotada por alemães, foi interceptada no aeródromo segoviano com 106 quilos de cocaína]. "Não se fez nada", admite Pires, compungida na hora de desenhar um cenário de impunidade e cumplicidade ao mais alto nível.
Os militares são parte do problema, diz mais de uma voz na Guiné-Bissau. Para tratar de acabar com o problema está desdobrada a Missão da União Europeia para a Reforma do Sector de Segurança, que dirige desde há um ano o general espanhol Juan Esteban Verástegui, de 66 anos. O objectivo é reduzir drasticamente os 4.500 efectivos dum Exército obsoleto, com três vezes mais oficiais que soldados, a maioria dos quais nem aparece pelos quartéis, que caem em pedaços, porque não há nada que fazer. Como A Mura, sede da zona militar do centro, que abarca Bissau e a sua região. À entrada há três soldados entrados nos anos, sem armamento e com escassa disposição à vigilância. Um deles está deitado no solo, literalmente, sobre una esteira. É a hora da sesta.
"É um exército de velhos e há que jubilar a maioria", diz Franco Nulli, embaixador da União Europeia. Uns 3.000 uniformizados passaram à reforma, segundo o plano previsto. Antes é preciso garantir um fundo de pensões alimentado pela comunidade internacional durante quatro ou cinco anos enquanto o Estado saneia as suas finanças. "As comissões existem e trabalham com apoio internacional, mas os fundos chegam a conta-gotas, porque há muita desconfiança", reconhece Nulli. Entretanto, a cocaína segue o seu trajecto através da Guiné-Bissau, deixando como único rasto o aumento da corrupção e dos pequenos consumidores de restos de droga que se perdem pelo caminho. Os benefícios do negócio ficam afastados.
"O maior problema das Forças Armadas da Guiné-Bissau é que não estão controladas, nem enquadradas, sem um comando claro. É um reino de Taifas, onde manda cada comandante de zona. Numa situação de descontrolo florescem as iniciativas pessoais", explica o general Verástegui, cuja folha de serviços combina missões de paz em pontos quentes, como a República Democrática do Congo, Guatemala, Bosnia-Herzegovina. "É muito fácil corromper na Guiné-Bissau. A tentação de entrar no negócio da droga está em todos os sectores", diz o general, que está convencido de que existe uma rota africana para o tráfico de droga – "os narcos ensaiam diversas rotas" –, ainda que prefere não entrar em detalhes sobre a Guiné-Bissau. Prefere descrevê-la como uma rota alternativa dos grandes cartéis da droga. "Nunca põem os ovos no mesmo cesto". Na sua opinião, a Guiné-Bissau é uma nação vulnerável, que está no centro de todas as acusações, mas as miradas deveriam dirigir-se também a outros países da região. Sem ir muito longe, a vizinha Guiné-Conacri, onde a junta militar que tomou o poder em Dezembro passado depois dum golpe de Estado leva a cabo uma intensa campanha para limpar a imagem corrupta das instituições. –
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