quarta-feira, 29 de julho de 2009

A Epopeia das Trevas (30)


Há mais seitas religiosas que campos semeados. Infindáveis sementeiras sem lavradores. Muita semente, poucos lavradores. As seitas religiosas não ensinam a cultivar campos, vivem da fome dos crentes. Seitas com igrejas de improviso. As vozes dos fiéis colapsam, as cabeças e os corações rompem como porões. Mens divinior, o influxo divino! Lembrei-me disto, porque aproximo-me da casa do meu amigo, Bispo Éden. É um soberano bem. Costuma ditar a ponte do postulado da sua confraria social: «As igrejas crescem proporcionalmente à quantidade de analfabetos existente». Há malas endinheiradas, fiéis dizimadas, aviadas. Muito maná dos obcecados, que bem utilizado na agro-pecuária extirparia a fome material do êxodo. De certeza que chegou, já aqui está. Vou escutá-lo, reverenciá-lo.

O Bispo Éden orava numa mansão que lhe era extensivamente reservada. Ostensivamente muralhada e reforçada com seguranças. Sempre a obrar, alargar espaços. Derrubar muros, construir outros porque as fronteiras expandiram. Aproximação ou intromissão desconhecida era aventura fatal. Algumas almas-danadas tentaram profanar o santuário, mas ocultas câmaras de vídeo sempre vigilantes, filmavam-lhes os momentos inglórios. O fim, num buraco de terra desconhecida, que fortalece os vivos e recolhe os mortos.
Tímida, face a face com um segurança precavido com a mão na coronha da pistola, que insinua saltar da sua coxa. Revivo a imagem do tempo saudoso da fronteira, depois transportado para filmes. Ele sentia-se caubói dos westerns, herói do faroeste. O segurança defendeu-se com habitual desconfiança.
- Graças a quem?
- Com o Bispo Éden.
- Nome do bilhete de identidade?
- Jasmim da Noite.
- Aquiete-se um momento.

O portão de barras de aço espaçou. Aventurei-me para o interior, e o portão descansou intramuros. Chegou-me uma pontada de mal-estar. Dois cães movem-se de aviso, ladram. Impõem gélido respeito, parecem lobos puros. A pressão sanguínea do meu coração estabilizou, quando assegurei que os canídeos estavam atrelados, controlados por seguranças. Antes da porta de entrada, à esquerda, diviso uma enorme cruz cimentada com a inscrição: QUE DEUS VOS ESCUTE!

Entrei numa enorme sala, e informaram-me que o reverendíssimo não tardaria. Sentei-me a observar o ambiente. Havia muitas imagens de santos e cruzes que pareciam fazer parte de uma colecção. Tudo em semi-obscuridade para impregnar a sugestão de misticismo. O sacerdote com máscara divinal, de aparência lustrosa como se acabasse de descer do céu, saúda-me:
- Ó Jasmim da Noite! Bem-vinda minha peregrina!
Levantei-me mentalmente abençoada. Deixei transparecer a minha pequenez, perante tanta grandeza pastoral. Cumprimentámo-nos com parcimónia. Ele lança-me a sonda:
- Vens em peregrinação?
- Procuro o paraíso perdido.
- É esse elemento que falta à igreja. Hum, hum, um paraíso perdido, que retorna a Éden, isso agrada-me muito. Óptimo… a Igreja Veni, Vidi, Vici, e o Bispo Éden abençoam-te.
A minha atenção foi para uma vitrina com fragmentos de ossos, folhas de oliveira, restos da túnica de Jesus Cristo, azeite, água, terra, restos de madeira da cruz de Jesus crucificado. Era um museu da cristologia. Para pobre devota como eu, constituía um enredo que inspirava a desvendar, aclarar, entrar no oculto religioso.

Imagem: EL PAÍS

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