sábado, 2 de novembro de 2013

"Querem meter-nos medo. Mas vão ter de libertar Nito Alves", diz Adolfo Campos


Lisboa - Manuel Baptista Chegonde Nito Alves já esteve em três prisões diferentes desde 12 de Setembro. Nesse dia, o jovem de 17 anos foi levado por agentes da polícia para uma casa vazia no campo para ser interrogado, antes de ser transferido para uma cela solitária da Direcção Provincial de Investigação Criminal (DPIC). Só três semanas depois conseguiu falar com o seu advogado e a família, que agora o pode visitar na Comarca Central de Luanda uma vez por semana.

Fonte: Público
Club-k.net

Nito Alves esteve várias semanas sem saber de que era acusado. Os advogados pediram a sua libertação, invocando a lei angolana que determina que um menor não pode ficar detido em prisão preventiva. Pediram também a liberdade provisória, até um eventual julgamento. Não tiveram resposta.
Invocaram, para tentar a sua libertação, as várias “ilegalidades” – como o facto de Nito Alves ter sido interrogado sem a presença de um advogado e sem ter podido ter contacto com o seu defensor durante três semanas. Entretanto, ficaram a saber que Nito Alves é acusado por ultraje ao Presidente.
O jovem do Movimento Revolucionário, que contesta o poder de Luanda, é o primeiro angolano a ser visado por essa acusação, introduzida na alteração à Lei dos Crimes contra a Segurança do Estado de 2010.

Está preso há 50 dias. Já passou pela cadeia de Viana, nos arredores de Luanda, e está agora na Comarca Central de Luanda, conhecida como CCL, no município de Sambizanga. Uma prisão, como outras em Angola, onde as condições são “desumanas”.
“Um terror”, diz ao PÚBLICO Adolfo Campos, amigo de Nito Alves e, como ele, elemento do Movimento Revolucionário que denuncia “a corrupção, o excesso de poder e de tempo no poder” de José Eduardo dos Santos. Também Adolfo Campos já esteve preso: 45 dias em 2011 com outros colegas do movimento, depois de uma manifestação.

Campanha alarga-se

“O crime de injuriar a República de Angola ou o Presidente de Angola 'em lugares públicos ou disseminando palavras, imagens, escritos ou sons', é punível com uma pena que pode ir até três anos de prisão”, lembrou há duas semanas a Human Rights Watch (HRW), que considera ser esta situação uma “flagrante violação dos direitos de expressão” e pede a libertação de Nito Alves. Já em 2010, esta organização de direitos humanos considerara que a nova lei da Segurança do Estado, com a introdução deste artigo, não respeitava a liberdade de expressão e de reunião. Esta semana, também a Amnistia Internacional se juntou às campanhas pela libertação do jovem, “preso de consciência”.

“Se um rapaz de 17 anos, por representar uma ameaça, leva os responsáveis [de Angola] a desprezar as leis, então ninguém está seguro de que os seus direitos serão respeitados”, escrevia a directora adjunta para África da HRW, Leslie Lefkow, no início do mês de Outubro. O activista angolano Rafael Marques, no seu site Maka Angola, elogiou Nito Alves como “o rapaz que abalou o regime”. Dias depois, era o escritor José Eduardo Agualusa quem homenageava o jovem num texto intitulado Nito Alves: A Coragem que Nos Salva.

“Um regime que prende adolescentes pelo crime de pensarem é um regime condenado ao falhanço. (...) Acontece que enquanto a cobardia de José Eduardo dos Santos nos envergonha a todos, angolanos, a coragem do jovem Nito Alves nos salva e enobrece", escreveu Agualusa no texto que circulou nas redes sociais, e no qual o escritor dizia que, embora não concordasse com os termos em que Nito Alves expressou a sua revolta, partilhava-a. "A revolta dele também é a minha. A coragem, essa é só dele.”

Nito Alves foi preso por mandar imprimir T-shirts com a fotografia de José Eduardo dos Santos e as palavras "fora", "ditador" e "nojento". Nas costas, dirigia-se ao "povo angolano" lembrando o título de um livro do jornalista Domingos da Cruz: Quando a Guerra É Necessária e Urgente. O objectivo era mobilizar o maior número de jovens para uma manifestação, a 19 de Outubro, a contestar o poder e mais uma vez, como todas as acções do Movimento Revolucionário, a lembrar o desaparecimento de dois outros activistas a 27 de Maio de 2012, Elias Cassule e Alves Kamulingue.

Os dois jovens nunca mais foram vistos desde esse dia em que foram levados separadamente, quando participavam numa vigília, a recordar as execuções e desaparecimentos de milhares de pessoas em resposta à fracassada revolta de Nito Alves e José Van Dunem em 27 de Maio de 1977, nascida dentro do MPLA contra a via seguida pelo então Presidente Agostinho Neto. (Foi esse Nito Alves da revolta dos anos 1970 que inspirou o jovem agora preso a adoptar o seu nome).

"Querem meter-nos medo"

“Cada dia que passa, aperta-se mais o círculo”, diz Adolfo Campos. O movimento está inevitavelmente em crise, mas vai continuar “a acção até que o regime mude de atitude” e liberte Nito Alves. “Obviamente, não vamos aceitar perdermos pessoas todos os dias”, acrescenta, lembrando os dois desaparecidos e os vários jovens ameaçados ou presos em acções de contestação ao poder nos últimos dois anos.

Adolfo Campos foi um dos 19 jovens presos em Setembro de 2011, quando o movimento dava os primeiros passos, inspirado nas revoltas árabes na Primavera desse ano. Esteve um mês e meio na cadeia. “Eu pensava que não ia sair mais.” Foi torturado, ficou inanimado durante quatro horas. “Eu não esperava respirar mais.”

Adolfo Campos tem 34 anos, o dobro da idade de Nito Alves. Une-os o Movimento Revolucionário de revolta contra os 34 anos de José Eduardo dos Santos no poder – os mesmos que tem Adolfo Campos hoje. “Desde que nasci não tive outro Presidente.” E as coisas “só têm piorado”, diz. “O país não tem liberdade. É uma ditadura autêntica. Muita tropa, muita polícia, para as pessoas não poderem fazer as suas escolhas.”

A sua escolha foi Engenharia Mecânica. Formou-se na África do Sul, voltou, tentou vários empregos, com entrevistas aprovadas, mas sem seguimento. “Não consigo trabalhar porque sou contra o regime.” E conclui: “Querem meter-nos medo. Pensam que a detenção do Nito Alves nos vai pôr a pensar de forma diferente. Mas não. Bem ou mal, vão ter de o libertar.”

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