colunista convidada Raffaela Dotta conta
censura no jornal Estado de Minas
Por Raffaela Dotta, de Belo Horizonte
CORREIODOBRASIL.COM.BR
Na terça-feira (16) João Paulo Cunha, um
respeitado jornalista dos temas cultura e política, pediu demissão de um dos
mais tradicionais meios de comunicação de Minas Gerais, o Estado de Minas. A
notícia traz à tona a “onda de censura” implantada no jornalismo mineiro, fato
comentado, documentado e denunciado por jornalistas mineiros há anos.
A demissão de João Paulo aconteceu após
uma conversa entre ele e a diretoria do jornal, em que a chefia deixou claro
que ele não poderia mais escrever de política. Por considerar a atitude uma
manifestação de censura sobre o seu trabalho, o jornalista não aceitou
continuar no cargo e pediu demissão.
“Acho inadmissível que um jornal censure seus profissionais. A luta histórica que tivemos no Brasil é para termos o jornalismo como instrumento de cidadania”, afirma o jornalista. O motivo da censura seria a sua opinião política, diferente da linha adotada pelo jornal, que segundo ele é “francamente explícita a favor de Aécio Neves”.
“Acho inadmissível que um jornal censure seus profissionais. A luta histórica que tivemos no Brasil é para termos o jornalismo como instrumento de cidadania”, afirma o jornalista. O motivo da censura seria a sua opinião política, diferente da linha adotada pelo jornal, que segundo ele é “francamente explícita a favor de Aécio Neves”.
No artigo “Síndrome de Capitu”,
publicado no suplemento semanal “Pensar” no dia 5, João Paulo criticou a
recente movimentação para um golpe político, elaborado pela oposição à
presidência, e defendeu a Reforma Política como “agenda prioritária para a
sociedade”. “A coluna que ele escreveu deve ter desagradado interesses do
jornal e de alguns políticos, que fizeram uma represália a ele”, acredita
Kerison Lopes, presidente do Sindicato dos Jornalistas de Minas Gerais.
“Pensar continua sendo perigoso”
No estado, episódios de censura não têm
acontecido apenas nas redações de jornais. A professora Beatriz Cerqueira,
presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT MG), foi alvo de 17
processos contra uma campanha publicitária sobre a educação mineira. Os
processos foram movidos pela coligação do PSDB ao governo do estado. “Em Minas,
pensar continua sendo um ato muito perigoso, quase um terrorismo contra o
Estado”, afirma Beatriz.
“Infelizmente, o Estado de Minas perde
qualidade e credibilidade com essa atitude”, afirmou o presidente do Sindicato
dos Jornalistas de Minas Gerais, Kerison Lopes. Ele conta que, na manhã de
quarta-feira (17), dezenas de leitores e jornalistas procuraram o sindicato
para dar depoimentos descontentes com a saída de João Paulo. “A gente espera
que esse seja o último caso de censura da era tucana em Minas, mas talvez seja
o mais emblemático, pelo que João Paulo representa para o jornalismo mineiro”.
Daniel Camargos, jornalista do caderno
de política do Estado de Minas, diz que a despedida de João Paulo foi
comovente. “Quando ele se despedia das pessoas formou uma imensa roda em torno
dele. Todos querendo saber o que havia ocorrido. Ele explicou e a reação final
de toda a redação foi levantar e bater palmas”, conta. “Hoje (17) muita gente,
mas muita gente mesmo, veio de camisa branca de malha. Uma maneira de
homenagear o João Paulo, que se vestia constantemente assim”.
Juarez Guimarães, professor de Ciências
Políticas da UFMG, acredita que este seja o caso de censura mais simbólico dos
últimos tempos. “A falta de pluralismo dos donos da comunicação de Minas Gerais
é uma afronta ao princípio de liberdade que funda a história dos mineiros”.
Entrevista com João Paulo Cunha
Formado em filosofia, psicologia e
jornalismo, João Paulo Cunha trabalha há 25 anos como jornalista, sendo 18
deles no jornal Estado de Minas. Atualmente, era editor chefe do caderno de
Cultura, além do caderno TV, Divirta-se e do suplemento que circula aos
sábados, o Pensar. Em 2011, João Paulo lançou o livro “Em busca do Presente”,
com artigos publicados na sua coluna “Olhar”.
Brasil de Fato – Na sua opinião, o que
motivou a censura jornalística a você?
João Paulo – O jornal, como todos, tem
uma linha editorial própria, sobre a realidade política, social e econômica.
Isso é legítimo. Como eu tenho uma linha de pensamento diferente, que
discordava do jornal, avisaram que eu estava a partir daquele momento proibido
de escrever ideias sobre política.
Pra você, é admissível que donos de um
jornal ditem o que os jornalistas vão escrever?Não. Acho inadmissível que um
jornal censure seus profissionais. A luta histórica que tivemos no Brasil é
para termos o jornalismo como instrumento de cidadania. Ao censurar a imprensa
ou o jornalista, você está tirando dele o mais importante, que é a liberdade de
expressão e a possibilidade de trazer várias visões de mundo.
Sempre há denúncias de que há censura no
Estado de Minas, inclusive durante as eleições. Isso realmente acontece?
Na minha área de trabalho, que é a
cultura, nunca tive nenhum tipo de cerceamento com relação aos conteúdos. Mas
ficou nítida nessa última eleição uma linha explícita a favor de Aécio Neves,
sempre positivando as ações dele, e críticas e negativas a Dilma Rousseff. Hoje
há um nítido direcionamento, que favorece Aécio.
Por que isso prejudica o jornalismo?
A base do nosso trabalho é ampliar a
capacidade das pessoas de se relacionar com o mundo, para tomar suas decisões
da melhor forma e viver em sociedade. Quanto mais informação ele divulga, maior
o compromisso do jornal com a sociedade. Se você limita as ideias a apenas uma
posição, você está impedindo que o jornalismo faça o que é sua função
essencial: levar informação de qualidade, reflexão e visão de mundo plural pra
todas as pessoas.
(Publicado originalmente no jornal Brasil de Fato)
(Publicado originalmente no jornal Brasil de Fato)
Raffaela Dotta, jornalista do Brasil de
Fato, em Belo Horizonte
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