A irreverência do Charlie Hebdo nada tem
a ver com islamofobia
Fiquei assustado
ao ler no Facebook que, no Brasil, tinha gente desconfiando ser o Mossad ou a
CIA o autor da chacina de ontem, na revista Charlie Hebdo. Isso mesmo
sabendo-se que os autores, agora já identificados, tinham clamado aos berros
“Vingamos o Profeta Maomé” ao abaterem dois policiais, e berraram alto e forte
a ponto de terem seus gritos gravados “Alá é Grande!” em árabe. Existe uma tal
desinformação no Brasil quanto aos feitos do chamado Estado Islâmico e seus
fanáticos?
Por Rui Martins, de Genebra
Também me
decepcionei com uma socióloga brasileira formada e vivendo em Paris,
que num texto deplorável postado no Facebook, considerou os
caricaturistas assassinados como jornalistas brancos islamófobos, num
total desconhecimento do humor da revista Charlie Hebdo, irreverente com
todos os credos e governos, parecida nisso com o nosso Pasquim da época da
ditadura, com seu ratinho nazista e linguagem de deixar corada menina de
família, criada em colégio de freiras ou evangélica. E numa total ignorância de
que o atentado feriu não só a revista, desabusada e tiradora de sarro de políticos
e religiosos, como principalmente a nossa própria conquista de liberdade de
expressão. E, além de tudo, esses caricaturistas eram militantes antiracistas,
portanto improcedente serem chamados de islamófobos, mesmo porque alguns os
confundiam como extremistas de esquerda.
Enfim, o
jornalista Alberto Dines falou em atentado político e não religioso.
Evidentemente é político pelas consequências que pode acarretar. O
caricaturistas do Le Monde, Plantu, declarou mesmo tratar-se de uma cilada, com
o objetivo de lançar a população francesa contra a minoria muçulmana. Porém, o
móvel do atentado foi religioso – uma resposta às caricaturas de Maomé
publicadas duas vezes, em edição especial, por Charlie Hebdo.
Há algum tempo,
publiquei no Direto da Redação, ainda sob a editoria do colega Eliakim
Araújo, dois textos que se tornam hoje atuais: um sobre a condenação à morte do
escritor Salman Rushdie (De Salman Ruschdie a Charlie Hebdo) e outro sobre
a questão do respeito ou não às figuras religiosas como o Deus ocidental,
Maomé, Alá, Jesus, o Papa e etc. (Censura em nome de Deus).
Reproduzo, logo
abaixo esses dois textos como subsídio para se entender o massacre cometido
ontem por três fanáticos islamitas contra a revista satírica Charlie Hebdo.
De Salman Rushdie a Charlie Hebdo – 29.9.12
Deus tem de ser
respeitado, nisso todas as religiões, circuncisas ou não, estão de acordo. E,
por tabela, têm de ser respeitados aqueles que representam Deus na Terra –
podem ser Jesus, Maomé, Buda, o Papa – ou os livros nos quais se acredita estar
a Revelação divina, no caso a Bíblia, o Corão, o Talmud.
A questão de se
instituir a censura em nome de Deus e das religiões foi o tema mais debatido
nos últimos dias, na Comissão de Direitos Humanos, tanto em Genebra como em
Nova Iorque, transformada ao que parecia na comissão de defesa dos direitos
divinos, e divide principalmente os países ocidentais e os países árabes, surge
sempre, nestes últimos doze anos, durante os trabalhos da Comissão de Direitos
Humanos.
E este ano, o
filme islamófobo e as caricaturas de Maomé na revista Charlie Hebdo, foram o
pretexto para a delegação do Egito levantar a necessidade de se criar, a nível
internacional da ONU, a proibição de se criticar ou difamar as crenças
religiosas.
Para facilitar a
digestão do reconhecimento de uma censura mundial, os egípcios, apoiados por
países árabes, tentaram assimilar a difamação das religiões com racismo.
Aproveitaram para isso um projeto contra o racismo proposto pela África do Sul,
no qual tentaram incluir um parágrafo dedicado à discriminação de toda
religião, bem como os atos visando os símbolos religiosos e pessoas veneradas .
A jogada foi
inteligente e, deixando-se de lado denúncias relacionadas com torturas de
pessoas e violações reais de direitos humanos em muitos países, os debates
sobre religião prolongaram-se por três dias.
O Egito, desta
vez, perdeu a parada, mas conseguiu marcar a exigência dos muçulmanos. Do texto
inicial do parágrafo foi retirada a parte relacionada com a difamação de
religiões e de pessoas veneradas. E, sem dúvida, voltarão à carga no próximo
ano. É de se prever que, se o Ocidente não mantiver uma oposição cerrada, em
nome da liberdade da expressão, a ONU acabará por aceitar a criação da censura
religiosa.
Para as
delegações dos países ocidentais, o que se defende na Comissão de Direitos
Humanos é o direito individual de praticar ou não uma religião. A questão dos
insultos ou difamação de religiões já existe na legislação nacional de alguns
países, e isso se considera como suficiente.
Por exemplo, no
caso das caricaturas de Maomé publicadas na revista Charlie Hebdo, algumas
associações muçulmanas na França entraram com processo contra a revista. Uma
iniciativa legal que caberá a um juiz ou tribunal decidir.
Entretanto,
antepor as religiões ao direito individual poderá se transformar num perigoso
precedente, pois justificará os excessos já cometidos em muitos países
teocráticos e impedirá aos não religiosos qualquer menção contra credos
religiosos. E, em pouco tempo, todas as religiões acabarão aproveitando a
brecha aberta pelos muçulmanos para sacralizar uma censura religiosa, fatal à
liberdade de expressão.
Censura em nome de Deus – 7.10.12
Deus tem de ser
respeitado, nisso todas as religiões, circuncisas ou não, estão de acordo. E,
por tabela, têm de ser respeitados aqueles que representam Deus na Terra –
podem ser Jesus, Maomé, Buda, o Papa – ou os livros nos quais se acredita estar
a Revelação divina, no caso a Bíblia, o Corão, o Talmud.
A questão de se
instituir a censura em nome de Deus e das religiões foi o tema mais debatido
nos últimos dias, na Comissão de Direitos Humanos, tanto em Genebra como em
Nova Iorque, transformada ao que parecia na comissão de defesa dos direitos
divinos, e divide principalmente os países ocidentais e os países árabes, surge
sempre, nestes últimos doze anos, durante os trabalhos da Comissão de Direitos
Humanos.
E este ano, o
filme islamófobo e as caricaturas de Maomé na revista Charlie Hebdo, foram o
pretexto para a delegação do Egito levantar a necessidade de se criar, a nível
internacional da ONU, a proibição de se criticar ou difamar as crenças
religiosas.
Para facilitar a
digestão do reconhecimento de uma censura mundial, os egípcios, apoiados por
países árabes, tentaram assimilar a difamação das religiões com racismo.
Aproveitaram para isso um projeto contra o racismo proposto pela África do Sul,
no qual tentaram incluir um parágrafo dedicado à discriminação de toda
religião, bem como os atos visando os símbolos religiosos e pessoas veneradas .
A jogada foi inteligente
e, deixando-se de lado denúncias relacionadas com torturas de pessoas e
violações reais de direitos humanos em muitos países, os debates sobre religião
prolongaram-se por três dias.
O Egito, desta
vez, perdeu a parada, mas conseguiu marcar a exigência dos muçulmanos. Do texto
inicial do parágrafo foi retirada a parte relacionada com a difamação de
religiões e de pessoas veneradas. E, sem dúvida, voltarão à carga no próximo
ano. É de se prever que, se o Ocidente não mantiver uma oposição cerrada, em
nome da liberdade da expressão, a ONU acabará por aceitar a criação da censura
religiosa.
Para as
delegações dos países ocidentais, o que se defende na Comissão de Direitos
Humanos é o direito individual de praticar ou não uma religião. A questão dos
insultos ou difamação de religiões já existe na legislação nacional de alguns
países, e isso se considera como suficiente.
Por exemplo, no
caso das caricaturas de Maomé publicadas na revista Charlie Hebdo, algumas
associações muçulmanas na França entraram com processo contra a revista. Uma
iniciativa legal que caberá a um juiz ou tribunal decidir.
Entretanto,
antepor as religiões ao direito individual poderá se transformar num perigoso
precedente, pois justificará os excessos já cometidos em muitos países teocráticos
e impedirá aos não religiosos qualquer menção contra credos religiosos. E, em
pouco tempo, todas as religiões acabarão aproveitando a brecha aberta pelos
muçulmanos para sacralizar uma censura religiosa, fatal à liberdade de
expressão.
Rui Martins, jornalista,
escritor, líder emigrantes, editor do Direto da Redação
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