Desenho do cartunista brasileiro,
gaúcho, Santiago, mostra o ataque de fanáticos islamitas aos balões das
caricaturas
Ao contrário do cartunista brasileiro
Latuff, que considerou provocação rasteira alguns desenhos do Charlie, o
americano Robert Crumb colaborou com o jornal Liberation em homenagem aos
colegas assassinados
Sem medo de ser
coerente – Robert Crumb, outro dos principais cartunistas de nosso tempo,
não negou fogo: a pedido do jornal francês Libération, que abrigará a próxima
edição do Charlie Hebdo, produziu cartuns solidarizando-se aos seus
companheiros chacinados pelas bestas-feras do fanatismo religioso.
http://correiodobrasil.com.br
Por sua vez,
John Lennon, na sua composição Imagine, cantava: “Imagine que não há
paraíso, é fácil se você tentar. Nenhum inferno sob nós e acima,
apenas o céu…
…Nada pelo que matar ou morrer e nenhuma religião também. Imagine todas as pessoas levando a vida em paz”
…Nada pelo que matar ou morrer e nenhuma religião também. Imagine todas as pessoas levando a vida em paz”
A OPÇÃO ENTRE
CIVILIZAÇÃO E BARBÁRIE ASSUME FEIÇÃO DRAMÁTICA PARA NÓS
Ao nascerem,
tanto o marxismo quanto o anarquismo prometiam conduzir a humanidade a um
estágio superior de civilização.
A proposta de
ambos era a de um melhor aproveitamento do potencial produtivo existente,
direcionando-o para a promoção da felicidade coletiva, ao invés de
desperdiçá-lo em desigualdade e parasitismo.
A hipótese
anarquista nunca foi testada: não houve país em que cidadãos livres
organizassem, por tempo suficiente para extrairmos conclusões, a economia e a
sociedade sem a tutela do estado.
A hipótese
marxista não foi testada da forma como seus enunciadores previam: em países
cujas forças produtivas estivessem plenamente desenvolvidas.
Nas duas nações
ditas socialistas que realmente contam, a revolução teve de cumprir uma etapa
anterior, qual seja a de acumulação primitiva do capital, já que se tratava de
países ainda desprovidos da infra-estrutura básica de uma economia moderna.
Acabaram tendo
de exigir esforços extremos dos trabalhadores; e, como eles não se dispunham
livremente a isto, a URSS e a China, cedendo ao imperativo da sobrevivência,
coagiram-nos a dar essa quota de sacrifício.
Ou seja,
tornaram-se tiranias. Uma mais brutal e genocida, a stalinista. A outra mais
messiânica e fanática, a maoísta.
…o irmão Lênin
(que não repetiu seus erros).
Aos trancos e
barrancos, cumpriram a função histórica de trazer países atrasados até o século
XX. A partir daí, entretanto, passaram a emperrar as forças produtivas, ao
invés de as deslanchar.
O socialismo
real da União Soviética e satélites caiu de podre, com tais nações voltando ao
capitalismo.
O maoísmo tentou
ainda resistir aos ventos de mudança com a revolução cultural, em vão. Depois
de uma luta travada na cúpula, sobreveio o pior dos mundos possíveis, um
amálgama de capitalismo de estado na economia com ditadura do partido único na
política.
De 1989 para cá
não surgiu uma proposta revolucionária alternativa capaz de vingar nos países
economicamente mais desenvolvidos — aqueles que, segundo Marx, desbravam os
caminhos que depois são seguidos por todos os outros.
Inexiste hoje
uma estratégia que contemple a concretização simultânea das três bandeiras
principais do marxismo e do anarquismo: a promoção da justiça social, o
estabelecimento da liberdade plena e o incremento da civilização.
Unir essas três
pontas soltas, na teoria e na prática, é nossa principal tarefa no século XXI.
FLERTANDO COM O
RETROCESSO
Até lá, devemos
esforçar-nos para, pelo menos, não nos tornarmos agentes da tirania e da
barbárie.
O capitalismo
globalizado é tão decadente, putrefato e destrutivo quanto a escravidão nos
estertores do Império Romano. Já não oferece valor positivo nenhum à sociedade,
só os negativos.
É mais um motivo
para não nos comportarmos como a imagem invertida de nossos inimigos.
Revolucionários
não podem condescender com a barbárie
Se a indústria
cultural deles se tornou totalmente parcial e tendenciosa, não é justificativa
para substituirmos a reflexão pela propaganda em nossos meios de comunicação,
endeusando líderes, exagerando acertos e minimizando/escondendo erros.
A imprensa
burguesa se desacredita e desmoraliza a olhos vistos. Temos de ocupar esse
espaço vazio, mostrando-nos capazes de cumprir melhor as três funções do
jornalismo: informar, formar e opinar.
E não deixarmos
que a função opinativa impregne tudo e determine o conteúdo das outras duas. Se
eles não dispõem mais de credibilidade, só teremos a ganhar zelando
escrupulosamente pela nossa.
E não é qualquer
forma de luta que nos serve, como serve para eles.
P. ex., devemos
repudiar firmemente o verdadeiro terrorismo –não confundir com o embaralhamento
manipulatório de conceitos por parte da imprensa burguesa, que tenta
desqualificar como terroristas as ações de legítimo exercício do direito de
resistência a tiranias (caso das guerrilhas latino-americanas da segunda metade
do século passado).
Existimos para
despertar nos explorados a consciência de sua condição real sob o capitalismo,
a fim de que eles comecem a buscar a libertação. Não para aterrorizar a classe
dominante com bombas e balas que, desde os tempos do irmão do Lênin (*), jamais
a impediram de continuar dominando.
O preço desta
travessura foi pago em fascistização. Saiu caro.
Tais
demonstrações de força, quando não são promovidas durante ascensos
revolucionários (carecendo, portanto, do apoio ou simpatia da sociedade), levam
água para o moinho dos fascistas, facilitando-lhes a disseminação do
autoritarismo. Foi o que sucedeu depois do atentado ao WTC e é o que ocorrerá a
partir da matança no Charlie Hebdo.
O pior é que a
recaída no terrorismo clássico, hoje descartado como contraproducente tanto por
marxistas quanto por anarquistas, provém de agrupamentos que nada
–ABSOLUTAMENTE NADA!!!– têm a ver com o ideário e as tradições da esquerda: os
fundamentalistas religiosos.
Do ponto de
vista de quem quer fazer a História avançar PARA ALÉM DO CAPITALISMO, é de uma
incongruência extrema qualquer identificação ou condescendência para com
fanáticos asnáticos que lutam contra o progresso e a modernidade, tentando
fazer com que a História retroceda PARA ANTES DO CAPITALISMO.
Acumpliciarmo-nos
com a pobreza espiritual, o atraso e a intolerância medievais só nos traz
descrédito, fazendo com que deixemos de ser vistos como uma alternativa
consequente à dominação burguesa.
Que cidadão bem
informado e dotado de espírito crítico levará a sério os apologistas de Bin
Laden, Saddam Hussein, Muammar Gaddafi, etc.? Vislumbrar insuspeitadas virtudes
em tiranetes, torturadores e assassinos é a receita certa para o isolamento. E,
se não conseguirmos transcender os limites de uma seita, jamais transformaremos
em profundidade a sociedade brasileira. É simples assim.
Esta é a luta na qual temos um papel a
desempenhar.
Então, não podemos encarar a política
com o mesmo simplismo passional das torcidas organizadas de futebol. Se
continuarmos desculpando e justificando todas as vilanias cometidas por vilões
que confrontem ou pareçam confrontar os EUA, Israel e que tais, acabaremos
reduzidos à insignificância e à impotência, justamente nestas décadas cruciais
em que se decidirá se a marcha da insensatez vai ser detida… ou não.
A opção entre civilização e barbárie
hoje assume feição dramática para nós.
Pensadores como Norman O. Brown avaliam
o capitalismo, em última análise, como um instrumento cego de destruição da
humanidade. Isto se torna bem plausível se considerarmos, p. ex., as alterações
climáticas e a dilapidação de recursos naturais essenciais à nossa
sobrevivência.
Para nós, os empenhados na construção de
um mundo melhor, o grande desafio é evitarmos que o enterro do capitalismo seja
também o da espécie humana. E só cumpriremos tal papel se tivermos plena
consciência do nosso compromisso fundamental com a civilização.
Cabe-nos não apenas preservá-la e
aprimorá-la incessantemente, como colocar suas conquistas ao alcance de todos,
dando-lhes condições de desenvolverem plenamente suas potencialidades humanas.
Como diria Marx, temos de dar o melhor
de nossos esforços para que a humanidade saia de sua pré-história. Se depender
dos fundamentalistas religiosos, isto jamais acontecerá.
* Alexandre Ulianov, integrante de um
grupúsculo de extrema esquerda que tentou assassinar o czar Alexandre III. Foi
executado em 1897, aos 21 anos.
Celso Lungaretti, jornalista e escritor,
foi resistente à ditadura militar ainda secundarista e participou da Vanguarda
Popular Revolucionária. Preso e processado, escreveu o livro Náufrago da
Utopia. Tem um ativo blog com esse mesmo título.
Direto da Redação é um fórum de debates
editado pelo jornalista Rui Martins.
Sem comentários:
Enviar um comentário