O título da minha primeira crónica do
novo ano pode ser interpretado em dois sentidos: sem ponto de interrogação
significa o ponto de partida de um período muito difícil para a economia
angolana e que se pode prolongar até 2020, conforme me referi em duas crónicas
anteriores onde foquei os desafios a que vamos estar confrontados nos próximos
anos; a interrogação circunscreve a matéria a 2015, sendo presumível que alguma
coisa pode ser feita para minorar os efeitos do tsunami financeiro em marcha.
Só que não temos condições para absorver os efeitos deste tremendo choque
externo, nem nas finanças públicas, nem na economia.
http://expansao.co.ao/Artigo/Geral/52641
Portanto, resistir tem de ser a palavra
de ordem. A minha grande frustração relaciona-se com as observações seguintes:
Todos os angolanos tinham consciência dos tremendos riscos associados à
excessiva dependência do petróleo. Já em artigos anteriores demonstrei - esta
abordagem consta do meu último livro, intitulado Salários, Distribuição do
Rendimento e Crescimento Equitativo, e também pode ser encontrada no Working
Paper n.º 2 do CEIC (www.ceic-ucan.org) - que foi durante o período 2004-2008
que se deveria ter decidido constituir um Fundo de Estabilização das Receitas
do Petróleo (de resto, recomendação recorrente do Fundo Monetário Internacional
e do Banco Mundial e de outras instituições internacionais) que permitisse
encarar o futuro com menos riscos e mais confiança.
Como se sabe, a opção essencial foi no
sentido da acumulação primitiva do capital e da criação de uma elite económico-
-financeira muito rica. ? Os colossais investimentos públicos - cerca de 80 mil
milhões USD entre 2002 e 2014 - não têm produzido os efeitos económicos que
verbas desta ordem de grandeza deveriam induzir.
Os investimentos públicos têm sido o
segundo factor de crescimento da economia nacional, logo a seguir às
exportações de petróleo, mas a sua contribuição média para a taxa de variação
anual do PIB é estimada entre 1,5 e 1,8 pontos percentuais apenas, devido à
relativamente baixa qualidade dessas obras públicas e ao facto de também ser
por intermédio dos esquemas de adjudicação de obras e correspondente
fiscalização que se esvai algum do dinheiro público.
Entre 2013 e 2020, não vai ser possível
distribuir mais e melhor - o incremento médio anual do rendimento por habitante
poderá ser de apenas USD 250 - e, por consequência, a austeridade que se
avizinha vai penalizar substancialmente as famílias de rendimento médio baixo e
os pobres. Ou seja, a desigualdade em Angola não se circunscreve à repartição
do rendimento e da riqueza, mas projecta-se igualmente na distribuição dos
sacrifícios.
A redução/eliminação dos subsídios aos
preços dos combustíveis - em nome da eficiência económica - não vai penalizar
em nada as classes ricas do País (seja a 300 Kz ou 400 Kz o litro do
combustível, os ricos não vão andar de transportes públicos, nem deixar de
fazer as passeatas a que estão habituados ao fim-de-semana), mas vai fazer
alguma mossa nas condições de vida da grande maioria da população.
Numa situação de austeridade, a
eliminação destes subsídios deixa de ter um custo de oportunidade medido pela
contrapartida no reforço das despesas públicas com a educação, saúde e
saneamento básico. Quando falta dinheiro e é fundamental reduzir o défice
fiscal, a eliminação dos subsídios passa a ser essencialmente uma medida de
contenção orçamental.
No seu discurso de final de ano, o
Senhor Presidente da República aludiu uma vez mais à necessidade de se gerir as
finanças públicas de uma forma que talvez até este momento o não tenham sido.
Referiu-se em particular aos gestores públicos, quem directa e imediatamente
tem a responsabilidade de verificar a conformidade dos gastos com as regras,
normas e procedimentos aprovados pela Assembleia Nacional.
Mas os gestores executam ordens dos seus
superiores, não podendo, em circunstância nenhuma, invocar autonomia,
independência ou isenção que não possuem. São meros executores de orientações
superiores. Consequentemente, devem ser todos os membros do Governo os
primeiros a dar provas de consistência nas suas declarações de austeridade, de
disciplina no uso dos bens e dinheiros públicos, de patriotismo nas propostas
de repartição de sacrifícios, de capacidade de presciência face a ambientes
adversos e de competência técnica na condução das políticas públicas.
Face às adversidades e desafios até,
pelo menos, 2020, acções como a Reforma Tributária em curso (visando
principalmente aligeirar o peso exagerado da tributação petrolífera nas
finanças públicas e encontrar novas fontes de dinheiros públicos) e outras
devem começar a ser equacionadas com o propósito de tornar o exercício de
gestão das finanças públicas e da economia em geral (eficiência, equidade,
solidariedade) mais assertivo e menos atreito à ocorrência de factores
externos.
É tempo de se começar a equacionar a
aplicação de um imposto progressivo sobre as fortunas existentes. Thomas Pikett
(Capital in Twenty-First Century, Harvard University Press, 2014) demonstra as
virtualidades deste tipo de imposto sobre o reequilíbrio social da riqueza e do
rendimento, a criação de um poder de compra necessário para a sustentabilidade
do crescimento e a melhoria na distribuição dos frutos do crescimento entre
capital e trabalho.Seria uma prova consistente com declarações políticas a
favor da equidade social e económica e em pouco beliscaria a perspectiva
estratégica de criação de um poder económico angolano forte e capaz de
concorrer com as corporações estrangeiras interessadas em Angola.
É tempo de se encerrarem definitivamente
todas as janelas por onde se escapam dinheiros públicos através do tráfico de
influências, compadrios e conivências políticas (aplicação, em pleno e com
todas as consequências derivadas, do aviso do Senhor Presidente da República
tolerância zero à corrupção que tem já mais de sete anos (será que ainda
podemos esperar algo?), da Lei da Probidade Pública (honorabilidade que todo o
funcionário público tem de praticar), da Obrigatoriedade de Declaração de
Rendimentos e Riqueza da parte dos funcionários superiores do Estado e das
empresas públicas, da Lei da Contratação Pública e de muitos outros
instrumentos de política pública que não têm passado do papel.
As instituições públicas deveriam fazer
uma estimativa de quanto dinheiro público podia ser poupado se estas
deliberações fossem cumpridas. Não é um exercício difícil. É tempo de
regressarem ao País os capitais nacionais que fugiram no tempo das vacas
gordas, para serem investidos na agricultura e na indústria transformadora.
Este repatriamento de capitais privados nacionais seria um bom sinal de
patriotismo da parte dos seus proprietários e uma manifestação concreta de
confiança na economia nacional.
Não se deve deixar apenas aos
investimentos estrangeiros a manifestação dessa confiança, sob pena de se criar
um fosso dentro das forças produtivas da Nação. Face à redução das receitas
externas em divisas, à ocorrência de défices fiscais expressivos até ao final
desta década, à elevação das taxas de juro nos mercados financeiros
internacionais, ao ajustamento em baixa das taxas de crescimento económico e a
revisão da classificação de risco do país, é de se esperar uma retracção
significativa nos fluxos de investimento estrangeiro.
Mesmo no sector do petróleo, as
companhias estrangeiras terão de cortar os investimentos que provavelmente
constavam das suas carteiras para Angola. A exploração em águas profundas tem
custos só compatíveis com um preço internacional do petróleo entre 80 e 100
USD. (Continua no próximo número.)
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