De notas entre os dedos, a chamar
clientes, passam os dias sentadas na rua aguardando por dólares para trocar,
mas nunca a vida das 'kinguilas' de Luanda esteve tão difícil, sem divisas para
alimentar o mercado informal e um negócio que cria famílias inteiras.
"Muita, muita, muita procura. E não
conseguimos satisfazer a vontade dos clientes". O desabafo, feito à Lusa,
é de Ermelinda Evaristo, de 31 anos, uma das centenas de 'kinguilas' tradicionais
de Luanda.
Há 13 anos que fica sentada, juntamente
com algumas colegas, pela zona de Alvalade, no centro de Luanda, mas agora só
chegam clientes com kwanzas para comprar os dólares que os bancos não deixam
levantar.
"Sempre alimentei a minha família
com este negócio. Agora são eles que me ajudam e quase não dá para o pão",
confessa Ermelinda.
A consecutiva quebra no preço do barril
de petróleo no mercado internacional fez diminuir a entrada de divisas em
Angola, desvalorizando fortemente a moeda nacional. Nos últimos dias, os bancos
comerciais colocaram limitações aos levantamentos de divisas, de quantidades e
nunca imediatos, aos balcões.
O resultado é que no mercado de rua,
onde as ?kinguilas' - que na língua nacional quimbundo significa ?quem está à
espera' - transcionam as divisas ao preço do momento, sem taxas ou outras
perguntas, o valor não para de subir.
Algo que para estas mulheres está longe
de ser positivo.
A 'kinguila' Ermelinda, por exemplo,
compra hoje 100 dólares por 12.000 kwanzas (cerca de 99 euros), quantidade que
vende a seguir por 13.000 kwanzas (108 euros), muito acima da taxa de câmbio
oficial (ronda os 10.300 kwanzas para a mesma quantidade).
Neste caso compraria, porque
simplesmente são poucos os clientes que aparecem para vender, em contraste com
os que repetidamente surgem a pedir dólares.
Num "bom dia" consegue comprar
200 a 300 dólares. Clientes para depois vender não faltam e com uma margem de
lucro maior. Há poucos meses chegava a transacionar 5.000 dólares por dia, mas
mesmo com margens muito mais reduzidas diz que estava melhor.
"Ganhámos pouco, mas habituámo-nos
com o nosso pouco. Agora está alto e não conseguimos nada", desabafa, por
entre um sorriso que disfarça a preocupação de quem não percebe o que se passa.
"As mulheres estão a desistir do
negócio", atira.
Noutro ponto da cidade de Luanda,
próximo do Largo da Mutamba, a 'kinguila' Marta Gaspar, de 44 anos, vive dias
de aflição. Com 19 anos de rua, socorre-se da experiência para recordar que
"quando há muito kwanza" a circular, o dólar "desaparece".
Algo que se sente "como nunca", por estes dias.
"O negócio não está nada bom. Todo
o mundo só quer comprar dólar e o dólar não aparece. Não consigo satisfazer a
procura", assegura, sem saber do "rasto" da nota norte-americana.
Marta até já subiu a "parada"
e compra 100 dólares a 12.500 kwanzas (104 euros), para vender a mesma
quantidade a 13.500 kwanzas (112,5 euros). E mesmo assim sem sucesso.
Por toda a capital angolana o sentimento
de preocupação entre estas mulheres, e sobretudo a falta de negócio, é igual,
mas o receio em dar a cara sobrepõe-se, face aos assaltos de que são alvo e à
perseguição das autoridades, por concorrerem com as casas de câmbio e os
bancos.
"Isto já serviu para sustentar a
família antes, formámos filhos neste negócio, mas hoje estarmos aqui sentadas
na rua é só para não faltar o pão. O resto já não tem nada. Às vezes nem 100
dólares conseguimos comprar durante um dia", remata, desolada, Marta
Gaspar.
Lusa
ANGOLA24HORAS
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