TEXTO: WILLIAM TONET
O F8 começou um ano novo e vai,
proceder a breves melhorias em muitas das suas editorias, com temas novos. Para inaugurar o
espaço da Grande Entrevista trazemos o economist Filomeno Vieira Lopes que vai,
connosco fazer un tour pelo estado de saúde da economia do país e as suas
principais contradições.
FOLHA 8 - COMO ENCARA ESTA PRETENSÃO DO MPLA, QUE TANTO
SE OPÔS A UMA MAIOR PONDERAÇÃO, SURGIR AGORA A PEDIR UMA REVISÃO?
FILOMENO VIEIRA LOPES - Percebeu que esta com a corda na garganta e quer obter
algum respaldo da Assembleia (mais como manobra politica para a opinião
publica) para justificar as medidas que ja estão em curso. A queda do crude
tirou o pano sobre um orçamento visando atrair o exterior apresentando um
nível altíssimo de investimentos. Ninguém entende com o preço ja abaixo dos
81 usd no último trimestre do ano transacto e havendo a Sonangol estimado a 60
usd o seu orçamento, o Executivo manteve àquele nível (81) no OGE. Agora têm
que ser tomadas medidas muitas das quais carecem de autorização prévia da
Assembleia.
F8 - QUAIS SÃO AS CONSEQUÊNCIAS, NO INÍCIO DO ANO PARA
OS ÓRGÃOS E RESTANTE MÁQUINA ESTATAL, DESTE OGE RETIFICATIVO?
1. FVL-Ainda não se sabe. O Executivo deveria ja ter
apresentado um plano de ataque à crise que fosse discutido previamente. Mas
haverão cortes orçamentais, pois a máquina do estado é pesada, para servir
grupos políticos no seio do partido no poder, mas que em tempo de restrições é
incomportável.
F8 - O EXECUTIVO DE EDUARDO DOS SANTOS PODERIA EVITAR
ESTA DECALAGE?
FVL- Se fossem tomadas mais cedo medidas de diversificação
da economia, o país não estaria tão exposto as consequências da queda do preço
do petróleo, um preço que não é definido por nós. Se o Executivo de Eduardo dos
Santos soubesse governar, ou seja, prever os acontecimentos, teria igualmente
constituído um Fundo de estabilização para compensar a queda do preço. Já
houve alturas em que era orçamentado 50 usd e o preço real eram 100. A
diferença deveria ser canalizada para este fundo e agora o mesmo seria
utilizado para evitar os problemas que hoje o país tem que enfrentar.
F8 - QUE REFLEXOS HAVERÁ NA ECONOMIA NACIONAL, MAIS
CONCRETAMENTE, NA RESTANTE MÁQUINA PRODUTIVA?
FVL - O problema que se coloca é ao nível do financiamento
da economia real. Grande parte dela pode colapsar porque não haverá divisas
para financiar os investimentos. Grande parte dos insumos para a máquina
produtiva vêm de fora. Também o próprio estado é dos maiores investidores e se
com um orçamento com receitas previstas a 81 usd o défice (o que as despesas
superam as receitas) já ascendia a mais de mil milhões de dólares, com menos
receitas vai ter-se que suspender bastantes projectos. Isto afectará a máquina
produtiva, sobretudo porque o país não investiu em organização e competências.
Vem tudo tipo “chave na mão”.
F8 - OS
PRODUTOS PRODUZIDOS EM ANGOLA, FICARÃO MAIS CAROS, COM A SUBIDA DO PREÇO DO
CRUDE?
FVL - Dependerá da quantidade de matéria prima incorporada nos produtos
nacionais que venha do exterior. O dólar ficará mais forte e o kwanza vai depreciar.
Isto faz chegar os produtos importados mais caros. Os produtos que se fabricam
em Angola cuja cadeia seja exclusivamente Angolana serão apenas afectadas
indiretamente, ou seja, como os produtores terão que fazer face a inflação
tenderão a aumentar os seus produtos.
F8 - QUE
RELEVÂNCIA POLÍTICA TERÁ O PARLAMENTO, QUE NÃO FISCALIZA SER CHAMADO PARA
ESTA SITUAÇÃO DE RETIFICAÇÃO?
FVL - Se este jogo de fazer do Parlamento mera peça decorativa não se alterar,
isto vai sair caro ao país. Aliás, a dita crise já é consequência desse modelo
político, de partido sozinho. Não ha verdadeira saída da crise sem formulação
de consensos, nem sem instituições fortes. A crise apela não só a mobilização
de capacidades, mas a necessidade de controlos rigorosos, pois cada
desperdício agrava ainda mais o problema. Se se pensar que a crise se resolve
com consultores externos, que não a evitaram, o país poderá entrar em colapso,
situação que ja se encontra para a grande maioria das regiões e da população.
F8– O
MPLA COM ESTA ACÇÃO MOSTRA SENTIDO DE ESTADO OU TRATA OS DEPUTADOS COMO UMA
ESPÉCIE INSIGNIFICANTE?
FVL - Não se trata de mostrar sentido de estado. É mera acção politicamente
correcta para quem se encontra com a corda na garganta. Estará o MPLA preparado
para expôr com verdade as finanças do país? Explicar os milhar de milhões que
são designados por “outros”? Só na subfunção social “Proteção social” 27% das
despesas são “não especificadas” (Posição OPSA, ADRA sobre OGE 2015). Estará o
Executivo em condições de previamente à rectificação apresentar o Relatório de
Execução do ano transacto? para os deputados não dispararem no escuro? Terá a
transparencia de apresentar todos os projectos previstos em detalhe? Terá a
coragem de viabilizar um programa de fiscalização? E sobretudo, terá ouvidos
para escutar o que a oposição em a dizer? São questões difíceis de, na actual
momento de acumulação primitiva de capital, a classe politica do poder
responder positivamente. A tendência será manter o papel figurativo do Parlamento
e ganhar tempo para que a conjuntura económica mude, ou seja, os preços do
petróleo voltem a subir.
F8 –
HAVERÁ REFLEXOS DRAMÁTICOS NOS ORGANISMOS SOCIAIS?
FVL - Mesmo em tempo de bonança os organismos sociais, sobretudo os da Educação
e Saúde, foram o parente pobre do OGE. Mesmo com o aumento relativo previsto
para o ensino pré-primário, o Estado apenas investe 2.500 kz/ano por criança
(Posição OPSA ADRA). É também aí, na Educação e Saúde, onde a Execução tem sido
das piores com atrasos salariais constantes, falta de equipamento e ausência
de investimento na qualidade. Nem há controlo da despesa gratuita. Os livros são
vendidos no paralelo e os hospitais não têm medicamentos. E é por aí que ja se
começou a cortar. As escolas já não têm vagas para as classes em que os alunos
transitaram. Só para quem corrompe ou tem influência. Não há admissão de
novos professores. A saúde apresenta cenário idêntico. São estes sectores que
mais estão relacionados com o povo e a tendência da elite governante vai ser
fazer o povo pagar a crise. Por isto, na actual conjuntura, é inevitável maior
deegradação dos organismos sociais, onde a corrupção vai aumentar.
F8 – O
POVO VAI VER A SUA VIDA PIORAR, COM A ALTA DA INFLAÇÃO?
FVL - Devido a, pelo menos, dois factores fundamentais vai haver inflação acima
da esperada, embora as economias desenvolvidas estarão em deflação. O
primeiro, já referido acima, o país quase que importa tudo o que consome. A
nossa moeda vai degradar-se face ao dólar, como tem acontecido em todos os
países produtores de petróleo sem moeda internacionalizada. O rublo russo
degradou-se já 38%, a Naira da Nigéria 12%, o Bolívar Venezuelano 45%, o
próprio Krone da Noruega, 17%. A nossa moeda no final do ano já sofreu
igualmente alguma desvalorização. Em kwanzas vamos ter que pagar mais. O outro
relaciona-se com o esperado aumento do preço do combustível que se repercutirá
em toda a economia.
F8 – O
QUE ACHA PESSOALMENTE, SOBRE TODA ESTA FORMA DE GESTÃO DA MÁQUINA DO ESTADO?
FVL - O período da engorda escondia em certa medida a inexistência de gestão. O
país vive subjugado a formação de capital para uma elite e toda e toda a
gestão vai nesse sentido. O estado está privatizado e isto tem impedido que se
criem instituições credíveis. Nesse sentido não é possível alocar a riqueza
ali onde ela pode ter bons efeitos para a economia, mas em pessoas e grupos de
conveniência. Por consequência, não há rigor na politica económica.
F8 – A
VIDA DO POVO, MAIS POBRE VAI SER AFECTADA DRASTICAMENTE?
FVL - Sim, obviamente. Ja está sendo. Ao invés de se cortar nos luxos da
governação, começando pela composição exagerada do Governo, na afectação de
mordomias, nas transferências ilícitas, nos projectos de investimento para
beneficiar certas empresas, o governo vai atacar na saúde, na educação, nos
salários que já não serão repostos ao nível da inflação do ano anterior, na
estagnação do emprego. O povo vai sofrer porque os sectores dominantes não vão
deixar de ir ao estrangeiro ver uma partida de futebol, de terem senhas de
combustíveis gratuitas, de adquirir os V8 para seu conforto, de gastar mundos
e fundos para propagandear o país no exterior e muito dinheiro para a
segurança perseguir os próprios angolanos.
F8 -
ACREDITA QUE O AUMENTO DO PREÇO DOS COMBUSTÍVEIS VÃO CONSEGUIR EQUILIBRAR AS
CONTAS DO ESTADO?
FVL - Não é por aí. A subvenção será menos onerosa inclusive, pois o crude
que é a matéria prima por excelência dos combustíveis esta a baixar. O défice
é sobretudo devido aos investimentos que se pretendem fazer, pois as despesas
correntes (onde se situa a subvenção) estão equilibradas. O problema para
equilíbrio geral das contas públicas está na eficiência dos sistemas. Há
impostos que não são cobrados e há muitos custos que são mero desperdício.
F8 – QUAL
A RECEITA QUE APRESENTARIA, NESTE MOMENTO, PARA UMA MELHOR GESTÃO DA COISA
PÚBLICA?
FVL - Viabilizar a democracia, criar instituições credíveis, discutir profundamente
os problemas do país aproveitando todas as inteligências, investir na economia
real em projetos de interesse nacional. Só a mudança de atitude pode criar bons
sistemas de gestão. O país dever-se-á preparar para um pacote de medidas
imediatas (curto prazo) e outras de médio e longo prazo visando a
diversificação da economia. O país, mesmo com 50 usd o preço do barril, tem
condições para evitar um programa de austeridade ou de se endividar externamente
a níveis que tornarão o futuro sombrio
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