terça-feira, 17 de setembro de 2013

Angola. A Biblioteca e a Doutrina Infantil do Nosso Presidente




por Maka Angola

Em 2006, o Gabinete para a Cidadania e Sociedade Civil do MPLA publicou uma brochura sobre valores morais e atitudes a adoptar pelos mais novos, intitulada “Criança Educada, Família Feliz”.
A simplicidade e pertinência das mensagens, no sentido de incutir bom comportamento às crianças, e preveni-las sobre os perigos das brincadeiras com o fogo e com a electricidade, tiveram impacto junto dos petizes que a leram.
O MPLA procurava educar, por essa via, as crianças a distinguir o bom do mau comportamento e o bem do mal.
Na última página, a brochura apresenta uma foto de José Eduardo dos Santos e apelas às crianças que o respeitem sempre como o presidente de todos os angolanos e o símbolo da unidade nacional.
Essa simbologia vai ao ponto do governo do MPLA ter atribuído, em 2001, o diminuitivo de José Eduardo dos Santos, Zé Dú, ao Parque e Biblioteca Infantil situada no Bairro Azul, em Luanda. Simbologia porque a referida instituição é a única biblioteca pública infantil em toda a cidade de Luanda e, quiçá, no país. Durante muitos anos, inscrevia-se, num mural do parque, um dos pensamentos lapidares do grande líder, o presidente Dos Santos: “O futuro pertence às crianças”.
Além disso, Luanda tem apenas duas bibliotecas públicas, a nacional e a do governo provincial de Luanda, que são muito pobres e exíguas para uma cidade de seis milhões de habitantes.
A abertura da biblioteca, ao público, foi apenas simbólica e breve. Na verdade, também faltavam os livros para as crianças lerem e aprenderem algo ou, simplesmente, divertirem-se. Desde então, a biblioteca mantém-se encerrada e sem um único livro.
A manutenção do parque, no início, levou inclusive ao cerco do mesmo com arame farpado, para impedir muitas crianças dos musseques adjacentes e outras personas non gratas de violar a ordem daquele espaço público.
Curiosamente, as autoridades de direito tiveram apenas a preocupação de remover a placa comemorativa da inauguração do parque, pelo então governador Aníbal Rocha, em representação do patrono do parque e Presidente da República, José Eduardo dos Santos.
Para além de ser uma lixeira, enclausurada numa das áreas residenciais mais nobres e caras de Luanda, o Parque e Biblioteca Infantil Zé Dú tem outra serventia no período nocturno. Prostituição, drogas e álcool dominam as transacções no local. Vez por outra, agentes da Polícia Nacional impõem a sua lei e a sua ordem, sovando os guardas do parque, e extorquindo-lhes parte dos proventos obtidos por facilitarem o uso do parque para tais iniciativas.
O culto de personalidade à volta do chefe e sua dedicação às crianças e jovens encontra eco e ilustração na criação da Universidade José Eduardo dos Santos. A referida instituição foi criada em 2009, para servir as províncias do Huambo, Bié e Moxico, sem quaisquer condições básicas para o efeito. Os homens do chefe instalaram a Faculdade de Economia numa escola primária, na cidade do Huambo, tendo penalizado as crianças. A situação mantém-se até hoje.
Em 2008, o Ministério da Reinserção Social adjudicou à empresa portuguesa Somague a construção de um Centro de Acolhimento de Crianças, na zona do Cambiote, nos arredores da cidade do Huambo, orçado em US $31 milhões. As obras deveriam ter sido concluídas em 2010. O Centro Regional de Acolhimento, Educação e Inserção Social de Crianças e Adolescentes, acolheria 150 alunos internos, 450 externos, bem como 600 estudantes de cursos técnico-profissionais, segundo declarações públicas do ministro da Reinserção Social, João Baptista Kussumua, na altura.
Mas, no ano passado, os homens do presidente usurparam a infraestrutura que albergaria o primeiro centro moderno e devidamente apetrechado para crianças desamparadas, por iniciativa do governo. Converteram-na em Campus Universitário José Eduardo dos Santos. As crianças desamparadas ficaram sem o centro e não se vislumbram quaisquer alternativas para as acomodar ou educar.
Como o camarada presidente disse: “O futuro pertence às crianças”. Para que assim seja, as crianças precisam mais de livros para aprenderem do que do culto de personalidade para adorarem o Zé Dú. Ou será o contrário?






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