por Rafael Marques de Morais
Maka angola
Há dois anos, o reputado economista ganense George
Ayittey publicou um livro que bem pode ser um manual para o derrube de tiranias
em África e noutras partes do mundo.
Derrotando Ditadores: A Luta contra a Tirania em
África e no Mundo (Defeating Dictators: Fighting Tyranny in
Africa and Around the World) é um livro que merece ser lido, sobretudo por
jovens empenhados em protestar contra presidentes obcecados com o poder eterno.
O autor parte da sua própria experiência como um
dos principais activistas na mobilização da sociedade ganense para o fim do
regime de Jerry Rawlings. O livro não apresenta uma fórmula, mas lições sobre
algumas das causas e consequências dos insucessos sofridos por opositores e
activistas em várias tentativas contra regimes despóticos. Nos países onde os
tiranos foram abalroados do poder, por pressão da juventude, as estratégias
bem-sucedidas são coligidas por Ayittey, como referências a ter em conta na
preparação de uma campanha contra os velhos crocodilos e aspirantes a déspotas.
A primeira tarefa é de estudo. A primeira regra de
combate contra a ditadura, segundo Ayittey, é conhecer o inimigo através do seu
modo de agir, das suas capacidades e fraquezas.
A Máscara do Déspota
A Máscara do Déspota
Para casos mais familiares, importa reter o
conceito do líder despótico, como aquele que governa porque o povo não sabe
exprimir a sua vontade colectiva, por medo e por não ter ideias comuns sobre o
seu papel na sociedade e o que deve fazer. Então, o povo entrega o seu destino
à vontade e aos caprichos de um só homem, como assevera o político e filósofo
francês Montesquieu. Nessa rendição, não há leis ou regras que se imponham,
para além das práticas de terror politico e da corrupção.
O filosofo francês Helvétius caracterizou o déspota
como um ignorante, porque não conhece os interesses dos governados, não sabe
como unir o seu estado e não se preocupa com o bem público. Para Helvétius,
conhecer o bem público é uma virtude e um processo de esclarecimento que escapa
ao déspota por este ser autista aos problemas do seu povo e dirigi-lo apenas
por capricho e vontade pessoais. Em resumo, o déspota é um incompetente com um
poder extraordinário de decidir sobre o quotidiano, o futuro, a vida e a morte de
todo um povo sem qualquer sentido de justiça e equidade. Manter o povo na
ignorância é a sua grande inteligência. Impor o medo no seio do povo é o seu
grande acto de coragem e dos que o rodeiam.
George Ayittei alerta que, qualquer regime que
centraliza o poder sem um sistema efectivo de freios e contrapesos é, por
conseguinte, despótico. Para tal regime, segundo o autor, o poder é uma mina de
ouro para enriquecimento pessoal do presidente e sua camarilha.
Todavia, o regime despótico opera no sentido de alcançar
três objectivos fundamentais, segundo o estudioso: manutenção e consolidação da
sua base de apoio, legitimação e controlo social.
Em relação ao primeiro objectivo, destaca-se a
imposição de um sistema clientelar nas relações entre dirigente e dirigidos. O
déspota cria um regime de competição para o acesso aos recursos do país, sob
seu controlo arbitrário, favorecendo apenas aqueles que se juntam a si. Por
essa via, compra o apoio de líderes religiosos, sindicais, de organizações
profissionais, e de outros sectores sociais, e forma uma grande coligação
contra os interesses do seu próprio povo.
Por sua vez, os papagaios, bajuladores e militantes
leais do regime não manifestam dedicação à ideologia do líder, mas a
expectativa de serem pagos com bens materiais e cargos. Por isso, de forma
canina, protegem as vias de acesso ao poder. No processo de aquisição de
consciências, o economista destaca como os piores vendilhões os intelectuais
(em particular acadêmicos e quadros qualificados):
“Eles supostamente entendem os conceitos
elementares como liberdade, democracia e estado de direito. Mas, por tuta e
meia, muitos entusiasmam-se em servir como prostitutas intelectuais – vendem a
sua consciência, princípios e integridade para saltaram para a cama dos déspotas”.
Outro elemento preponderante é o sequestro do
partido no poder. O déspota subverte os estatutos do partido para realizar os
seus objectivos pessoais, como a construção do culto de personalidade. Nomeia
para lugares estratégicos pessoas da sua conveniência e aliados, de modo a
garantir sempre a sua candidatura presidencial.
Para facilitar o funcionamento do sistema
clientelar de corrupção e reduzir as ameaças ao seu poder, o déspota “usurpa as
competências das principais instituições do Estado, como o exército, a polícia,
a mídia estatal, parlamento, o judiciário, o banco nacional e o sistema de
educação”, nota o escritor.
Uma das fraquezas notadas nesse tipo de lideranças
é a paranóia com a segurança pessoal e a manutenção do poder. O presidente
corrompe um grupo selecto de generais e de altos oficiais do aparelho de
segurança a quem tudo dá, mas desconfia do exército como o principal esteio de
um possível golpe de estado. Então, desorganiza e enfraquece o exército, no
geral, mas cria unidades especiais mais bem armadas para controlar os
movimentos das próprias forças armadas. Ademais, estrutura a guarda
presidencial como a força mais bem armada e superintendente, capaz de controlar
as unidades especiais. Então, a paranóia do déspota passa a ser como uma cebola,
mas com camadas de desconfiança.
“A função básica do exército e da polícia é a
proteção da integridade territorial da nação, assim como das vidas e da
segurança dos seus cidadãos. No entanto, muitos soldados e agentes policiais
africanos abandonaram, por completo essas funções tradicionais, e circulam pelo
continente como hienas, causando dor aos inocentes e civis indefesos e matanças
indiscriminadas”, lamenta George Ayittey.
O controlo da comunicação social do Estado merece
também do déspota atenção prioritária, no cumprimento de uma máxima do ditador
soviético José Estaline: “Quem controla a comunicação social controla as mentes
das populações”.
Esse controlo funciona também através da
legitimidade e respeitabilidade que a diplomacia do déspota procura no exterior
do país. A existência de abundantes recursos naturais, como petróleo, diamantes
e outros mineiras, regra geral, passa a ser o principal factor de persuasão
diplomática junto de governos estrangeiros, instituições internacionais,
particularmente ocidentais, para conferirem maior legitimação e
respeitabilidade aos desígnios do déspota.
As Estratégias
Antes de partilhar estratégias, George Ayittey
lembra que nem todas as revoluções são bem sucedidas e alerta para as suas
consequências em termos de custos, em vidas humanas e recursos, bem como o
facto de fazerem regredir a marcha para a liberdade.
Assim sendo, alerta que as manifestações de rua,
por si só, não são suficientes para sacudir o poder de um déspota. Há também o
caso dos manifestantes defenderem os seus próprios interesses de grupo e não
estarem aliados a qualquer partido da oposição. É imperiosa a reforma
antecipada da oposição que, em última instância, deve capitalizar o
descontentamento de massas e operar a transição. Sem uma oposição unitária e
líderes verdadeiramente democráticos, corre-se o risco de se substituir um
ditador por outro vilão.
Para o sucesso de qualquer revolução, Ayittey
aponta ainda para a necessidade de apoio por parte de agentes auxiliares, que
devem ser algumas das principais instituições do Estado ou organizações
profissionais. Pelo menos, uma das instituições seguintes deve estar do lado
dos manifestantes: a função pública, o exército, a polícia ou as forças de
segurança, o judiciário, a comunicação social ou a comissão eleitoral.
Ayittey descreve os papéis vitais que cada uma
destas instituições desempenha para a governação e o exercício do poder
constitucional. O papel das forças da mudança está em estudar os focos de
descontentamento que grassam nessas instituições, as fraquezas do regime no
controlo dessas instituições e, por essa via, explorar estratégias de defesa
dos interesses comuns.
A organização simultânea de greves na função
pública e protestos, em várias partes do país, é uma das ferramentas poderosas
para enfraquecer o poder do aparelho militar e securitário do regime sobre a
sociedade. É a táctica de esticar, ao máximo, as forças do adversário no
terreno.
Para o efeito, o modelo Aytteyano de estratégia
para a mudança inclui a adopção de uma causa de descontentamento popular, como
subida de preços, ou outra. A ideia subjacente deve ser a paralisação da função
pública. Também é importante notar e explorar os focos de descontentamento no
exército, para que estes cumpram com a sua função de defender, acima de tudo, a
vida e a segurança das populações, de acordo com a sua função tradicional.
Os activistas têm de estar preparados, segundo o
proponente, para mudar de estratégias tão rapidamente quanto as condições no
terreno imponham.
No plano de batalha pela mudança de Ayittey, a
mensagem de liberdade deve ser bastante clara, sem adulterações ou a
possibilidade de ser contaminada ou sequestrada por interesses sectários.
Palavras como “liberdade” e “democracia” devem ser evitadas, entre outros
termos. Mensagens que insultam apenas o déspota também devem ser evitadas
porque não atingem quaisquer objetivos para além da ira pessoal do alvo e seus
apoiantes.
As mensagens devem descrever o regime como alheio
ao sofrimento do povo, como criminoso, por violar as suas próprias leis, e
devem conter elementos de divisão dentro do próprio poder ou das forças de
defesa e segurança. O uso de provérbios locais, poemas e cânticos tradicionais
são amplamente encorajados como formas nobres de ridicularizar o déspota.
As estratégias incluem o uso pedagógico da
constituição, relativamente à garantia dos direitos e liberdades dos cidadãos,
contra o próprio regime.
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