sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Josefa Webba: "Parece-me que há empresários a trabalhar na elaboração da Lei Geral do Trabalho"





Luanda – É quase que impossível falar-se de Lei Geral do Trabalho no país sem se ter em conta este nome: Josefa Webba. E numa fase em que se discute, recolhe-se contributos em relação ao anteprojecto da nova lei, que pode substituir a que está em vigor há 13 anos, não podia ser indiferente.

Fonte: O País
Klub-k.net
Uma das mais antigas docentes da Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto, especialista em Direito do Trabalho, discorda da elaboração de um novo documento, quando nem sequer se cumpre a actual legislação. Prefere um Código de Trabalho a uma nova lei laboral, que vai proteger os empregadores e destaca a importância dos acordos colectivos de trabalhos que não existem. Mais pormenores sobre o assunto na conversa que se segue.

O secretário-geral da UNTA, Manuel Viage, diz que se está a fazer uma tempestade em copo de água em relação ao anteprojecto de Lei Geral do Trabalho. O que acha?
As convenções colectivas são o cerne da questão e elas passam certamente por aquilo que são os sindicatos. E eu aí acredito que a figura do responsável do maior sindicato se faça sentir. No entanto, há sectores que têm de ser conhecidos por todos os cidadãos enquanto trabalho e mesmo aqueles que são desempregados têm aquela perspectiva de mais tarde virem a ser trabalhadores. Têm de saber de onde é que partiu esta situação de proteccionismo do Direito do Trabalho, porque nós não vemos esta preocupação para um indivíduo determinado nas outras áreas do direito. Então, temos que ver que para o Direito do Trabalho existem determinados princípios e um deles é, sem dúvida, o princípio do colectivo, que dá direito ao princípio da auto-tutela laboral. E é esta auto-tutela laboral que vai fazer com que o poder disciplinar, o direito de greve sejam factos somente direccionados a quem tem o estatuto de trabalhador. Porque quem não é trabalhador não pode e nem necessita de ter estes direitos. Agora temos que dizer que o Direito do Trabalho é um direito protector, isto ninguém vai conseguir retirar.

E o projecto em carteira tem este carácter proteccionista ou não?
O actual vai retirando aquilo que é o pilar do próprio Direito do Trabalho, que também é considerado o Direito do Contrato de Trabalho. Ora vejamos: relativamente ao artigo das fontes do Direito do Trabalho, actualmente o artigo é o n.º 7 da nossa Lei. Reza, portanto, que quando existir um conflito de fontes, quando não se pode saber qual é a norma que vai dirimir um determinado conflito laboral, em que normalmente surgem o empregador e o trabalhador, ela diz que “em caso de conflito entre as disposições de várias fontes (portanto de várias normas) prevalece a solução que no seu conjunto e que no seu cômputo geral, se mostrar mais favorável ao trabalhador. Salvo se as disposições de nível superior forem imperativas.
Ora, o que é que diz a lei que vai ser ou não aprovada? Em vez de dizer que ‘se mostrar mais favorável ao trabalhador’, porque o direito dá mesmo este favorecimento à pessoa do trabalhador, a nova lei diz se mostrar mais favorável à actividade do trabalhador. Veja só esta pequenina frase. A actividade do trabalhador quem é que aproveita? É o empregador. Portanto, quem vai sair vitorioso nos conflitos laborais, em vez do trabalhador, será o empregador, só por causa desta palavra mínima e vejam como é que as coisas mudam totalmente de figura. Nós sabemos que os sujeitos laborais não detêm as mesmas possibilidades. O empregador está sempre mais acima do trabalho, isto é mesmo a génese de contrato de trabalho. E é isso que falo muitas das vezes, que o jus laborista tem assim uma reticência relativamente a esta posição que o Direito do Trabalho ganhou depois de se desprender do Direito Civil. E desprendeu-se precisamente por causa da questão do proteccionismo, porque o direito civil nunca vai proteger ninguém. Aí as partes são iguais e os interesses realmente antagónicos, mas não são tão antagónicos quanto aos interesses de um empregador-trabalhador. O interesse do empregador é ter alguém para o servir, mas o maior interesse do trabalhador é pôr à disposição o seu trabalho para uma coisa que é primordial na vida, a sua subsistência e da sua família.

O anteprojecto penaliza muito mais os trabalhadores e favorece os empregadores?
Tenta a todo o custo favorecer o empregador. Numa ou outra vertente o anteprojecto diz que as partes é que sabem que a sua forma, negócio jurídico vai conter, mas ainda é preciso uma grande clarificação da própria lei. Porque se as partes logo do início estão desiguais, como é que são elas que vão definir claramente como é que vai ser a forma de contrato.

Não se coloca a questão da liberdade contratual?
A liberdade contratual faz com que a parte mais fraca tenha uma protecção mais evidente para que ela possa ter o interesse dos seus propósitos, porque o trabalhador também o tem. É precisamente o sustento da sua família. Agora, é preciso realmente considerar que o empregador tem outros diplomas que o podem defender, mas nunca e não no Direito do Trabalho. Tem a Lei Comercial, do Gestor Público, outros diplomas e é aí onde as pessoas devem aprimorar para que realmente um empregador possa ser defendido. Eu vou ter que ser muito sincera e dizer que, da maneira que as coisas estão há empresários ou futuros empresários inclusos nesta comissão que está agora a fazer a revisão da Lei Geral do Trabalho. Portanto, eu penso que os sindicatos não deveriam minimizar. Pelo contrário, deveriam unir todas as suas forças para que o conhecimento do Direito do Trabalho estivesse com eles para que pudessem ser a parte necessária e conveniente para que, realmente, este projecto de Lei Geral do Trabalho possa vingar na sua vertente original, que é aquela força que a lei dá como protecção ao próprio trabalhador.

Além do artigo que acabou de mencionar, quais são as outras grandes alterações que constam da actual proposta em auscultação?
As outras grandes alterações são, por exemplo, a nível dos contratos determinados. A actual lei dá que o contrato determinado tem uma duração limite de três anos. Portanto, sendo contrato determinado, já de si bastante precário, como é que eu vou conseguir manter o meu trabalho, onde depois de três anos posso ficar 15 anos, até 10 anos e depois não ser mais necessário como trabalhador neste empreendimento do empregador. Então onde é que está o conceito de estabilidade, seja ele no contrato por tempo indeterminado, em que as partes é que dizem quando é que o contrato termina, ou no contrato determinado.

Qual será a consequência neste caso se a lei for aprovada como tal?
A consequência é a criação de maior número de desempregados quando o empregador não necessitar mais do seu trabalhador. E porque a lei lhe vai dar prorrogativa de depois de cinco ou 10 anos não ser mais necessário, fica muito complicado. Mas vai ficar mais complicado para o Governo ou Executivo. É como eu digo, se as pessoas tivessem a plena consciência do que é o Direito do Trabalho num país iriam ver que o cartão-de-visita de cá deveria ser o Ministério do Emprego.  É através deste ministério, das suas normas, das leis, que se faz realmente o conceito de paz social e quando não existir surge, precisamente, o problema das greves, instabilidade social porque é a barriga das pessoas que vai falar mais alto. E quem ainda não conseguiu passar pela situação de desempregado é, efectivamente, a pessoa que diz que a Lei Geral do Trabalho tem que ser mais esvaziada para poder dar oportunidade ao empregador.

Os especialistas que dirigem as comissões de trabalho do documento têm dito nas sessões de auscultação que a ser aprovada, a futura Lei Geral do Trabalho permite aumentar o número de emprego e a produtividade nas micro, pequenas e grande empresas. Concorda com isso?
Isso não é verdade porque já a nossa Lei Geral do Trabalho diz quais são as atribuições que o Governo tem para a área laboral. Tem que criar impostos, sim. Mas também postos de trabalhos. Ora, como é que o Governo está a criar os postos de trabalho? Muito lentamente e de forma muito discriminatória. Esta lei mantém as mesmas posições relativamente àquilo que diz respeito às atribuições e obrigações que o Estado angolano tem que ter para que realmente haja a criação de empregos. Só o facto, por exemplo, de se admitir no Jornal de Angola que quando as empresas necessitem de mão-de-obra tenha lá aquela característica de que tem de ter um determinado número de anos de trabalho, como é que fica a situação do primeiro emprego? Eu não posso aqui dúvidar que o Executivo esteja a criar empregos, mas as situações a nível do Direito do Trabalho são dinâmicas, porque é um direito de luta e quando assim acontece não se consegue parar num só sítio. À medida que a sociedade vai-se desenvolvendo as necessidades dos trabalhadores vão sendo maiores. E as necessidades daqueles que não trabalham e ainda não entraram no mercado de trabalho vão ser grandes. Como é que estamos a fazer, relativamente àquilo que se fazia em tempo de partido único, quando o Governo mandava os alunos estudarem em Cuba e noutras situações? Quando eles voltassem tinham a garantia de terem um trabalho, hoje o que é que está a acontecer? Sou docente universitária há mais de 32 anos, todos os anos fazemos sair mais de 100 alunos licenciados e onde é que eles estão? Vão parar à sua sorte, têm que ter os senhores da cunha para poderem ter os seus empregos ou então ter uma dificuldade no seu aprendizado, porque já são empregados, e poderem garantir a situação após à sua licenciatura e ter o seu diploma. Isso tem que ser resolvido. Eu não sou contra a vinda de pessoas de fora para poderem trabalhar, Angola é um país que está no concerto das Nações. Afinal de contas somos angolanos e muitos também se encontram fora do país a estudar, viver e penso que o Ministério das Relações Exteriores vai de encontro a estes nossos cidadãos que estão lá fora, para poderem ver qual é a situação que estes países estão a dar aos angolanos. Agora, ainda não vi que haja uma sobreposição das pessoas que vêm de fora nos outros países relativamente aos cidadãos nacionais. Nos sítios onde passei no exterior os cidadãos nacionais têm a garantia da primazia e penso que é assim. E para que essa garantia da primazia seja um facto existem outras condicionantes. Quais são? A educação, que o Estado angolano está puramente se marimbando, borrifando para aquilo que é as necessidades do sector da Educação.

Uma das questões para que chama a atenção no anteprojecto é que as pessoas podem vir a ser remuneradas com base na sua produtividade e também despedidas em caso de improdutividade. Isso vai de encontro aos interesses dos empregadores e empregados?
Isso já diz respeito ao dono do empreendimento, porque eu se sou empresário é que incorro em todos os riscos do meu negócio. Tenho que ver do ponto de vista dos meus negócios internos quais são as metas que quero atingir, o nível de trabalhadores para atingir a minha produção e produtividade. Aí não vamos fazer com que haja problemas. Se sou dono do meu negócio, eu sei quem são as pessoas que devem trabalhar para mim e qual é o perfil do trabalhador que quero. Aliás, a própria administração pública também faz isso. O concurso de acesso à função pública é para definir o perfil da pessoa e do trabalhador. É muito mais quando este perfil vai ser direccionado para um empreendimento que é privado. Agora estas pessoas que têm estes empreendimentos têm que ter a garantia de encontrar no mercado de trabalho as pessoas qualificadas. Esta qualificação é trabalho do Executivo, Governo, dos ministérios, sobretudo o da Educação, que dá a mais-valia do conhecimento das pessoas numa determinada faixa etária para que possam começar a entrar no mercado do trabalho e poderem concorrer com outras pessoas que estejam ao seu nível.

O que mudou no nosso contexto para justificar que 13 anos depois tenhamos de ter uma nova Lei Geral do Trabalho?
Não mudou nada, absolutamente nada. Mudaram os interesses, dos empresários actuais ou dos futuros que querem realmente fazer aquilo que querem e não aquilo que a lei manda, tem de estar em conformidade com aquilo que reza os anais do Direito de Trabalho.

Alguns sindicatos estão contra as indemnizações que possam existir no futuro em relação aos montantes que a lei vigente prevê. O que dizer disso?
Exactamente, está é mais uma situação que o empresário incluso nesta comissão está a fazer valer a sua posição, porque 30 por cento depois dos anos de serviço trabalhado praticamente não é nada. E nós vamos ver que hoje 30 por cento pode ser algo que possa satisfazer o trabalhador, mas daqui a dois ou três anos será irrisório. Então vamos estar sempre a mexer na nossa Lei Geral do Trabalho. Neste momento devíamos ter em mão a feitura de um Código de Trabalho e não uma Lei Geral do Trabalho, porque já estamos a 30 e tal anos de trabalho. O problema que se põe é que as pessoas que têm esta capacidade de ajudar o Governo, Executivo, seja lá quem estiver à frente, para a feitura destas situações são postas de lado. E aquelas que estão à frente vão infelizmente imprimir os seus interesses naquilo que têm de melhor para exigir que a Assembleia Nacional mais tarde aprove esta nova lei.

Até que ponto é vantajoso manter um salário certo, misto ou variável para um trabalho tendo em conta os interesses dos empregadores?
Isto não vingou porque até agora não temos um conceito de salário mínimo nacional. Não havendo isso, tudo resto é feito administrativamente. Por exemplo, no mês passado fui receber o meu salário no banco e vi que tinha dinheiro a mais do que anteriormente. Não mexi no salário, informei-me junto do financeiro e contabilista. Disse-lhe que não quero que depois tenha de devolver esse dinheiro e ele me disse que tinha havido um aumento do salário. Mas os aumentos têm que passar por negociações com os sindicatos.
E o problema maior que se impõe perante esta situação é que o Governo até agora não consegue dar valor às convenções colectivas. E são as convenções colectivas que mudam toda esta apetência de pessoas que querem vir fazer com que esta lei tenha um volte-face ou uma maior dignidade, não para o trabalhador mas para o empregador. No âmbito do direito colectivo, as convenções colectivas vão precisamente fazer com que haja aquela situação de igualdade nas negociações, para que o trabalhador não seja posto em baixo, tenha alguém que o represente e para que os interesses de ambas partes sejam auto-tuteladas. E é isso que tem de existir. Vocês são jornalistas e podem fazer uma sondagem. Quantas empresas em Angola têm acordo ou uma convenção colectiva de trabalho? Tenho a impressão que os dedos da minha mão não chegam para contar.

Qual é a diferença entre ter uma Lei Geral e um Código de Trabalho, como defendeu há pouco?
Uma lei, como muita gente diz, pode ser escrita a lápis e no dia seguinte é apagada. As leis no nosso país são escritas a lápis. Escrevem à noite e no dia seguinte são apagadas. Um código ou trabalho de codificação é mais sério, porque engloba todas as situações. Não podemos ter, como nas vezes anteriores, uma Lei Geral do Trabalho que até não falava do abandono de trabalho. E nós hoje vemos e nem precisamos de ter muita explicação sobre o que é que significa o abandono de trabalho que até o nosso Jornal de Angola constantemente fala nesta situação laboral. Um Código do Trabalho é algo que tem uma vigência mínima de 10 anos, depois disso então se pode mexer. Isso quer dizer que todas as situações laborais, mas precisamente todas, vão ter que ser enquadradas para que o legislador aprove e quem vai ter somente o trabalho serão os tribunais, porque a mentalidade dos homens muda constantemente.

Não é um paradoxo um país emergente, que quer ter muitos quadros, fomentar a educação, colocar na mão do empregador a vontade de poder permitir que o seu funcionário vá ou não à escola? E a remuneração também pode ser feita consoante os períodos de trabalho do próprio trabalhador-estudante.
É um paradoxo porque isto advém já da nossa Constituição. Ela define o mínimo em matéria de educação. Se as pessoas forem a seguir a escolaridade que a nossa Constituição admite, vamos continuar a ter somente analfabetos. E quando um país tem somente analfabetos, porque existe aqueles que não sabem ler nem escrever, mas existem também os analfabetos funcionais. E hoje temos aí a tecnologia e com analfabetos funcionais, como é que vamos desenvolver este país? Não é preciso ser-se muito inteligente, vai-se desenvolver com pessoas que vêm de fora e isto é nada mais, nada menos, que o neocolonialismo que já se implantou aqui a todos os níveis, sobretudo a nível das condições de desenvolvimento técnico. No início não tínhamos quadros a nível da independência. Foram criadas universidades com os mais variados cursos, hoje há abertura para que houvesse o ensino privado, começamos a ter quadros. Os quadros que saíam iam ser confrontados com os assessores. A partir de uma determinada altura em que tinha de haver a discriminação, os angolanos já não podiam ser assessores. Mas quando começaram a ser assessores, os assessores passaram a consultores. Hoje já temos angolanos bem formados que são consultores e estão ao lado dos consultores que vêm lá de fora. E, em função disso, diz-se que a qualidade de ensino não presta. Será que a qualidade não presta ou as condições que têm dado não permitem ter um ensino melhor? E daqui a pouco vamos ver que os consultores vão passar e os angolanos vão ficando sempre atrás, tenham eles a nível que tiverem. Para trás ficam a produtividade que podiam ter, o salário que é sempre minoritário, as condições que são sempre as básicas e ainda nos arrogamos a dizer que a esperança de vida das pessoas subiu. Subiu como com estas situações?

Há ideia de que os angolanos são preguiçosos. Também pensa assim?
A preguiça como outras coisas foi institucionalizada pelo próprio Governo. Estive durante cinco anos a viver em socialismo na República da Roménia. Era um socialismo que na altura já tinha 30 e tal anos e não havia preguiça. As pessoas trabalhavam, aquele conceito de imolação socialista e a concorrência existia. Após cinco anos, quando regressei ao país vi coisas que só em 30 anos se poderia realmente ver onde eu sai. Claro que as pessoas hoje em dia justificam tudo com a guerra que existiu. Tivemos a guerra e por isso é que não podíamos desenvolver. Agora já não temos guerra, temos a pior que é a guerra em prol do desenvolvimento. As pessoas falam muito desta palavrinha pequenina, mas pouco ou nada fazem para exista esta situação. O desenvolvimento não são prédios altos, mas podem incluir. Mas já pensaram estes prédios todos bonitos, as centralidades bonitas, quantos estropiados e mortos fizeram, viúvas que não têm um tostão pela morte dos seus entes queridos que trabalharam nestas obras, os deficientes físicos saídos das quedas dos andaimes, o Estado está a exigir a estas empresas para que cumpram os papéis relativamente a estas pessoas. Nós estamos a criar pessoas revoltadas. E muitas das vezes não precisamos ter revolta pelas políticas, as pessoas que estão no poder, mas a revolta social. Esta é a que temos mais.

Fala-se no reajustamento dos horários dos trabalhadores de acordo com os propósitos dos trabalhadores para o suposto aumento da produtividade. Acredita que isto seria bom para a nossa economia e o alcance deste objectivo?
Acho que não. Senão vejamos: tínhamos um horário de trabalho com dois períodos. A partir de um determinado momento, pensando-se que poderia haver uma maior produtividade, temos o chamado horário corrido. Vamos analisar juntos, o trabalhador tem que entrar às oito horas, como é que está a situação do nosso transporte rodoviário? Ele chega às 9 horas ou 9 e meia. Se for aquele que começar a ganhar logo, vai ganhar um certo tempo. Mas nunca acontece isso, o trabalhador chega, ainda vai contactar os amigos e só às 10 horas é que vai começar a funcionar. E quando começa a funcionar às 10 horas tem duas horas ou duas e meia porque tem o intervalo para ir ao almoço. Depois deste intervalo, das 14 horas até às 16, o que é que fez no trabalho? Nada, isso desde o primeiro de Janeiro até 31 de Dezembro.

Qual seria a solução?
Por mim, deveria ser o horário anterior. Agora temos de criar condições e elas implicam determinado tipo de investimento, seja público ou privado. Aquela hora e meia hora que o trabalhador tinha para ir à sua casa, porque ele até vivia aqui, como é que vai ser confrontado com a situação de morar nas centralidades, no Zango, a vários quilómetros sem que haja a descentralização e a descontração dos serviços. Não é possível haver aumento da produtividade. Enquanto nós olharmos para apetência do Governo em fazer da Ingombota o Governo da Nação, vamos continuar a ver as coisas a não funcionar. Tem que haver a descentralização e a descontração dos serviços. Será que é uma pessoa de boa-fé que me tira aqui onde estou a morar, próximo do meu serviço e atira-me no Zango sem as condições necessárias. Eu vou continuar a ver esta pessoa dizendo que está a velar pelos meus interesses? Fica um bocado difícil. Mas porque é que a maior parte das coisas são feitas rapidamente e a maior parte, que engloba o colectivo, são as que ficam sempre na mangonha do Governo de não fazer as coisas atempadamente.

É a favor pretensa deslocalização dos trabalhadores consoante o interesse dos patrões?
Não sou a favor, também não estou contra. Isto é o projecto de quem está a gerir o seu negócio. Se este projecto vai fazer com o direito dos trabalhadores sejam garantidos, não há problemas nenhum. É sinal que os interesses de ambas as partes estão salvaguardados através da autotutela. E esta autotutela laboral só pode ser feita através do poder disciplinar e do direito à greve que os trabalhadores têm. Mas antes de chegar a isso existem os sindicatos, mas hoje infelizmente também não se tem a impressão exactamente do que é um sindicato. Muitas pessoas pensam que o sindicato é para fazer confusão, não. É a figura que vem equilibrar as relações laborais entre o empregador e o trabalhador.

Mas temos muitos sindicatos.
Temos muitos sindicatos. Infelizmente, à semelhança do que se passa com muitos partidos políticos, eles também foram esvaziados das suas competências. E hoje quem está a fazer de sindicato é o executivo, que consegue subir salários administrativamente sem a presença realmente do sindicato. Foi a semana passada que se reuniu pela primeira vez a Comissão Nacional para a Concertação Social. Não foi? Espero que seja uma boa iniciativa, porque já fiz parte de comissões a nível nacional para concertação social há vários anos e se for aquela brincadeira de se fazer inclusivamente a apreciação do que é que deve ser a cesta básica do trabalhador, que nem leite, carne tinha, o peixe alguém na altura estava a dizer que um carapau podia ser cortado ao meio, se forem continuarem não vamos a lado nenhum. Pelo contrário, vamos acirrar tudo que diz respeito a inconformidade do trabalhador e do ponto de vista social vai ser um caos. E devo aqui dizer que já são considerados civilizados aqueles países que concedem aos trabalhadores estes direitos colectivos, por forma a construírem a paz social.

Outro factor que contribui para a baixa produtividade é o facto de a lei ser demasiado permissiva para os trabalhadores quando falecem os seus parentes directos, indirectos ou até mesmo o nascimento de filhos. A saída passa pela redução dos dias de luto ou repouso concedido na actual Lei Geral do Trabalho?
Não passa por aí. Vou-lhe dar três exemplos de empresas que até são públicas: Sonangol, Endiama e Alfândegas de Angola. Você veja o nível de trabalho que existe aí e das pessoas que lá trabalham, porque existe a fiscalização e controlo. É isso que o Governo angolano deveria fazer, fiscalizar. Como não gosta de ser fiscalizado, não fiscaliza ninguém. Então como é que estas empresas públicas têm esta situação, já não vou dizer os privados que não dão mole aos trabalhadores incumpridores, põem-nos na rua, porque têm que rentabilizar o negócio. Será que o Governo pensa assim, tem que rentabilizar o negócio, porque quando o privado o rentabiliza não é só o seu negócio, mas também o salário dos trabalhadores, que têm infelizmente de ter como base o salário da função pública e não o mínimo nacional que ainda não existe. Portanto, não é por aí. Claro que se morre muito no nosso país por causa das condições. Quando o trabalhador consegue um bocadinho de dinheiro para comprar a sua viatura, o Estado diz que carros com três anos não entram. É só irmos aqui muito próximo, em Dubai, uma viatura de 10 anos tem melhor cara que uma nova que está aqui a sair das nossas concessionárias. Este Governo é egoísta em termos de fiscalização e vocês viram na altura em que o Presidente da República fez aquele discurso, vou dar a mão à palmatória na metade. No sentido de que havia necessidade de rever a Lei Geral do Trabalho, mas que não houvesse prejuízo para os direitos dos trabalhadores. A outra metade que ficou comigo vai através da minha pergunta: O senhor Presidente da República, enquanto alto mandatário da Nação, já mandou fiscalizar aquilo que se está a fazer com esta revisão da lei? Ou vai deixar a Assembleia Nacional fazer o trabalho?

O Tribunal Constitucional pode desencadear um mecanismo de fiscalização preventiva ou precisa que alguém solicite?
O artigo 180 da nossa Constituição, o n.º 2 diz o seguinte: compete ao Tribunal Constitucional apreciar a constitucionalidade de quaisquer normas e demais actos legislados. Portanto, os contratos colectivos devem ser objecto de controlo da constitucionalidade nos termos gerais deste artigo, que admite expressamente a sujeição de quaisquer   normas, à fiscalização pelo Tribunal Constitucional. E para que não pensem que é a Josefa que está a falar isso, são os próprios constitucionalistas de renome, como dizem aqui, Gomes Canotilho e Vital Moreira que dão esta informação do ponto de vista académico. Portanto, as pessoas que estão nestas áreas sabem que isto é possível. E se não fazem é porque estão a fazer algo que realmente vai lesar o país.

Existe o receio no seio de alguns sindicatos que os seus delegados nas empresam possam ser despedidos, quando a lei vigente diz que, no âmbito da liberdade sindical, não podem ser afastados mesmo que haja uma reestruturação, para que não se façam deles bodes expiatórios?
Exactamente. Nós somos humanos independentemente das funções que exercemos. Qualquer função que possa ser exercida por nós passa certamente pela capacidade que temos como humanos para poder  exercer as funções. Como imperfeitos que somos, muitas das vezes incorremos em determinados erros, o sindicalista é um trabalhador também, só que tem estas funções que a lei lhe dá prorrogativas de ter esta ambivalência. Ora, sendo assim, se o trabalhador que é sindicalista incorrer numa infracção ele tem que ser sancionado. Muitas das vezes – e é o que a lei diz – ele pode aquando do processo disciplinar ser afastado da área em que esta a trabalhar para o processo andar da melhor forma, sem impedimento da sua presença. No entanto, isso é relativamente as suas funções como trabalhador. Como sindicalista tem o direito de entrar na empresa e no sítio que a empresa reservou para a actividade do sindicato. Ele não pode ser impedido de realizar a sua actividade sindical, para além de que o seu processo tem que ser dado a conhecer à instância sindical competente onde ele pertence.

Houve grandes alterações nas penalizações e acções de justa causa que podem levar ao despedimento dos trabalhadores?
Não houve muitas alterações, porque qualquer despedimento tem que estar baseado na justa causa. É preciso haver uma causa necessária, suficiente para que o empregador, seja ele qual for, privado ou público mandar embora o trabalhador. Tem que existir o procedimento disciplinar. Ora, quando o procedimento disciplinar não ficar conforme os desígnios do trabalhador, porque há vezes em que a aplicação das sanções é superior àquilo que o trabalhador realmente incumpriu. Ali tem a possibilidade de junto das instâncias competentes accionar a ilegalidade do seu despedimento.

Três faltas não justificadas ou o incumprimento do horário de trabalho durante cinco dias  mantêm-se?
Isto é uma questão de disciplina e aí vou fazer uma parte porque o nosso trabalhador também é indisciplinado. Há vezes que pode chegar a horas, mas porque não quer não chega. E é uma questão de disciplina e poder disciplinar, a lei concede ao empregador, porque é ele que corre risco em toda a actividade, fazer um procedimento disciplinar.

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