domingo, 8 de fevereiro de 2015

Angola. 5 anos de constituição





A deputada da UNITA Miahela Weba faz um “balanço negativo” dos cinco anos da Constituição angolana. Para sustentar a afirmação, Miahela, em declarações ao SOL, diz que, formalmente a Constituição é uma coisa - mas na prática “não há pontos positivos” porque não se materializam.
“É uma lei que foi feita para ser violada todos os dias. Não tem eficácia jurídica porque ninguém a respeita”, acusa Miahela, citando como exemplo a não permissão do direito de manifestação e de reunião, além da falta de liberdade de imprensa. “Há aspectos da Constituição com os quais poderia eventualmente rever-me, nomeadamente os direitos fundamentais. Todavia, como não são cumpridos, é como se não existissem”, considera a deputada da UNITA.
A responsável lembra que a Constituição garante ainda direitos iguais aos partidos políticos, contudo o maioritário - MPLA - é “claramente beneficiado”.
Afirma também que “gostaria que fosse revista a forma de eleição do Presidente”, assim como “a possibilidade de o PR ser efectivamente fiscalizado”.
 “Tem todos os poderes e não pode ser fiscalizado, por não ser responsável pelos respectivos actos de governação”, lembra, e conclui: “Se o PR não é responsável pelos actos de governação que possam configurar crime, então ele pode fazer tudo”.
Ter apenas o português como língua oficial é, para Miahela, “um desprezo pela cultura angolana e as suas tradições”.
“As sete principais línguas nacionais deveriam ser consideradas línguas oficiais de Angola”, defende, além de sugerir que “o direito sobre a terra deveria ser originário do povo e não do Estado”.
 O secretário da FNLA para os Assuntos Parlamentares, Ndonda Nzinga, manifesta também a oposição do partido ao método de eleição do PR. E, ao SOL, classifica como “excessivos” os poderes atribuídos ao cargo.
 O responsável defende que pelo menos estes dois aspectos têm de ser revistos no articulado da actual Constituição. Além disso, Ndonda Nzinga exige também a consagração constitucional do direito de voto aos cidadãos angolanos residentes no estrangeiro e recorda que “o direito de cidadania é um dos fundamentais estabelecidos” na Lei Fundamental. Na sua óptica, esta matéria deveria ser incluída num eventual processo de revisão.
 O político reconhece, no entanto, que perante a dimensão da bancada da maioria “é difícil” à oposição ver as respectivas ideias aprovadas: “Esta Constituição não nos dá espaço de manobra para revermos alguns aspectos, porque precisávamos de 2/3 do número de deputados”.
 Ndonda Nzinga não deixa de observar um handicap na actuação da oposição: “Falta o princípio da complementaridade e concertação. Há muito orgulho e cada um quer protagonismo político”.
 Consagrar a prisão perpétua em Angola
 Ao comentar para o SOL o 5.º aniversário da Constituição, o secretário nacional para a Economia e Finanças do PRS, Sapalo António, mostra-se crítico, a exemplo de outros responsáveis da oposição, do actual modelo de eleição do PR.
 Defende, por isso, candidaturas individuais à Presidência da República, através de eleições directas e voto universal.
 É igualmente defensor da eleição dos magistrados judiciais e do Ministério Público, tal como dos juízes dos tribunais. Indica ainda que, em caso de revisão constitucional, o futuro texto devia estabelecer um aumento da pena máxima de prisão dos actuais 24 anos “para 50 ou mesmo prisão perpétua”, uma vez que não consagra a pena de morte.
 CASA-CE alerta para dependência do PR
 Não fugindo ao posicionamento deixado pelos políticos da oposição que falaram ao SOL sobre este tema, o vice-presidente da CASA-CE Alexandre Sebastião considera também “excessivos os poderes” do Presidente da República, ao ponto de “todos os órgãos de soberania” dependerem do chefe do Estado.
“Formalmente temos muitos direitos fundamentais na Constituição mas, materialmente, o cidadão que ousar usufruir desses direitos é oprimido ou reprimido”, observa Alexandre Sebastião.
 Para o responsável da coligação eleitoral, por a oposição, no seu conjunto, não ter força suficiente para aprovar uma revisão da Constituição, isso deve levar a que exista sensibilidade da parte do MPLA para avançar para um processo de revisão.
 Por outro lado, defende que se “clarifique a implementação das autarquias” e conforme a eleição do PR “às constituições liberais”.
 No entanto, o responsável da CASA-CE prevê muitas dificuldades para atingir estas vontades: “Não será fácil admitir um processo de revisão porque continuam a vingar quer os propósitos políticos, quer as pessoas que geraram esta Constituição”.
 MPLA acena com 'voto do povo'
 O MPLA é o único partido parlamentar fazer um balanço “muito positivo” dos cinco anos em que vigora a Constituição da República de Angola.
 “A oposição vê tudo de forma negativa. Os colegas que estão no Parlamento são os mesmos que fizeram campanha contra a Constituição, que dizem que as eleições foram fraudulentas, mas vivem da imunidade e dizem que não há liberdade. A vigência da Constituição tem sido muito positiva”, atira João Pinto, vice-presidente do grupo parlamentar da maioria.
  Para o dirigente, “se o povo angolano reprovasse a Constituição, teria dado nota negativa ao MPLA, retirando-lhe 2/3 nas eleições de 2012, permitindo assim alterações à Constituição”.
 E, prossegue: ao contrário daqueles que dizem que Angola “tem um regime ditatorial”, nesses sistemas “não se elegem deputados”.
 Questionado acerca de alegadas diferenças de tratamento dadas pelos media públicos às actividades das diversas forças políticas, João Pinto defende que quem tem maioria “deve ser beneficiado”.
 “É assim em todas as democracias. Por exemplo, uma actividade do primeiro-ministro português não tem mais publicidade, cobertura, do ponto de vista do impacto mediático, do que as realizações de um responsável do PS?”, interroga.
 Já sobre a proibição imposta à realização de manifestações que se têm tentado organizar em Angola afirma, convicto: “Não há manifestações para derrubar o Governo. Isso é proibido pela própria Constituição. Devem promover-se manifestações positivas, nomeadamente de combate ao analfabetismo e à pobreza”.
 Procedimentos para a revisão
 A iniciativa de revisão da Constituição compete ao Presidente da República ou a 1/3 dos deputados em efectividade de funções, segundo o artigo 233 da Lei Fundamental. Já sobre a aprovação e promulgação, as alterações têm de ser aprovadas por uma maioria de 2/3 dos deputados em efectividade de funções, estabelece o artigo 234. As alterações aprovadas têm de ser reunidas numa única lei.
 O PR, por seu lado, não pode recusar a promulgação da lei de revisão constitucional, sem prejuízo de poder requerer a fiscalização preventiva pelo Tribunal Constitucional.
 O artigo 235 determina que a Assembleia Nacional pode rever a Constituição, decorridos cinco anos da sua entrada em vigor ou da última revisão ordinária. Estabelece ainda que o Parlamento possui, a todo o tempo, poderes de revisão extraordinária, por deliberação de uma maioria de 2/3 dos deputados em efectividade de funções.
 Sonhos adiados
 Com a aprovação da actual Constituição, vários cidadãos viram cada vez mais longe o sonho de se candidatarem à Presidência da República de forma independente, uma vez que a própria Lei Fundamental estabelece que essas candidaturas são “propostas pelos partidos políticos ou coligações de partidos, embora os candidatos possam não estar filiados nos partidos políticos e coligações concorrentes”.
 Nesta perspectiva, diversas figuras mediáticas da política angolana viram os seus sonhos adiados, nomeadamente Luizete Araújo, hoje membro da CASA-CE, Vicente Pinto de Andrade (ver pág 4), militante do MPLA, docente universitário e decano da Faculdade de Economia da Universidade Lusíada de Angola. Quem chegou também a preparar a candidatura foi o actual presidente da CASA-CE, na altura ainda militante da UNITA.
 A Constituição recebeu os votos favoráveis do MPLA, PRS e Nova Democracia. A UNITA votou contra e a FNLA absteve-se.
Sol
ANGOLA24horas
Imagem: Miahela Weba. www.redeangola.info Ampe Rogério/RA

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