Abdul Rodrigues
MAKAANGOLA
Trabalhadores da companhia aeronáutica
angolana Fly 540 reivindicam o pagamento de salários em atraso há mais de dez
meses. Acusam ainda a direcção e os sócios da empresa de serem “manipuladores e
mentirosos” por constantemente prometerem resolver a “crise” mas nada terem
feito até à presente data.
Segundo os relatos, 130 trabalhadores de
nacionalidade angolana e aproximadamente 20 trabalhadores ingleses enfrentam
“situações drásticas”, das quais se destaca a desintegração de algumas famílias
por dificuldades de suportar as necessidades básicas do lar, como consequência
do incumprimento contratual por parte da entidade patronal.
“A minha mulher teve de ir viver para a
casa de sua mãe porque estava difícil aguentar os nossos problemas. Ela começou
a procurar emprego mas até ao momento não conseguiu, o que tornou ainda mais
complicada a relação”, contou um dos trabalhadores ao Maka Angola,
sob anonimato, conforme solicitação do grupo.
A operadora de voos domésticos -
voava nos aeroportos de Luanda, Benguela, Soyo, Mbanza-Congo e Cabinda - é
uma sociedade empresarial constituída em 2008. Três firmas compõem a sociedade,
nomeadamente a GEFI, a empresa-mãe dos negócios do MPLA, a Project-Net, ambas
de capital angolano, e a Fast Jet, de direito queniano.
A provação dos trabalhadores começou em
Fevereiro de 2014, altura em que a direcção da empresa decidiu enviar para
França a última das três aeronaves que operavam no território nacional, modelo
APR-72-500, inscrita no Instituto Nacional da Aviação Civil (INAVIC) com o
registo D-2-FLY.
Alegadamente, segundo informações
fornecidas aos operadores pelo presidente do conselho de administração e
director-geral da Fly 540, Henriques Abrantes, em Julho de 2014, os aviões
encontram-se no exterior do país para serem sujeitos a trabalhos de manutenção.
Como justificação para o atraso no
regresso das aeronaves, Henrique Abrantes informou que este se deve a falta de
pagamentos dos custos da manutenção à empresa encarregada dos trabalhos,
sedeada em Toulouse, França.
Henriques Abrantes, na mesma ocasião,
tranquilizou os trabalhadores ao afirmar: “Tudo aponta que até ao final do mês
de Agosto [de 2014] os aviões regressarão.” Contudo, esta previsão acabou por
não se confirmar, nem em Agosto, nem até à actualidade.
Desconfiados da “gestão perigosa” da Fly
540, os trabalhadores dirigiram-se ao Instituto Nacional de Segurança Social
(INSS) para confirmar o depósito dos montantes descontados mensalmente nos
salários. No local, foram informados de que o valor referente à segurança
social nunca chegou a ser depositado nas respectivas contas do INSS, e que isto
acontecia desde a criação da empresa.
“Quando ouvimos isto, ficámos totalmente
apavorados. Percebemos então que estávamos a ser roubados por um grupo que se
fazia passar por pessoas idóneas”, frisaram os funcionários, adiantando que
“inclusive houve pessoas que desmaiaram quando souberam disso”.
Revoltados com a situação, os
trabalhadores continuaram a pressionar a direcção da empresa, com vista a
arrecadar os rendimentos do trabalho prestado ao longo de dez meses. Foi
precisamente em Agosto que o presidente do conselho de administração da Fly 540
comunicou aos trabalhadores que os salários em atrasos e, se necessário, a
indemnização seriam pagos pela GEFI, detentora de 30 por cento da companhia
aérea, mas que apenas seriam contemplados os angolanos, cabendo à maioritária
Fast Jet responsabilizar-se pelos trabalhadores estrangeiros.
“Nós estávamos dispostos a abdicar da
indemnização e continuar a trabalhar, porque acreditávamos na palavra do
presidente. Por isso exigimos apenas os salários”, explicaram os funcionários.
Foi criada uma comissão de trabalhadores
para dialogar com a direcção da GEFI. Dias depois, Henrique Abrantes, alegando
estar marcada uma reunião com a direcção da GEFI, deslocou-se até às
instalações da empresa-sócia na companhia do grupo de empregados.
A intenção era chegar à fala com a
directora, Guiomar Dias, que é igualmente presidente da mesa de assembleia da
Fly 540. O esforço saiu gorado: foram informados de que não havia qualquer
reunião agendada com a comissão de trabalhadores.
Insistentemente, os trabalhadores
remeteram cartas à direcção da GEFI, mas nunca obtiveram resposta.
“Estavam a desvalorizar-nos mesmo. Foi
assim que em Outubro fomos à Inspecção Geral do Trabalho e esta por sua vez
notificou por duas vezes a direcção da Fly 540, que em nenhum momento apareceu.
Simplesmente ignoraram o pedido da Inspecção.”
A terceira notificação proveniente da
Inspecção Geral do Trabalho foi endereçada à GEFI. Em representação da “holding
do MPLA”, Carla Lobo deslocou-se ao órgão do Ministério da Administração
Pública, Trabalho e Segurança Social (MAPTSS), onde “apenas disse que não
estava capacitada para responder às questões feitas pelos inspectores”.
“Quando ela foi embora, o inspector
Matumona Kolamy disse-nos o seguinte: ‘Já não podemos fazer mais nada.’ Assim
mesmo, sem rodeios”, frisaram.
A maioria dos trabalhadores, enquanto
militante do MPLA, começou a enviar cartas ao presidente, ao vice-presidente e
ao secretário-geral do partido-Estado, bem como à Organização da Mulher
Angolana (OMA-MPLA). Nenhuma das missivas mereceu resposta.
Neste momento, segundo nos informaram,
muitas crianças que se encontram sob a responsabilidade dos trabalhadores não
poderão frequentar a escola por falta de dinheiro para pagar as propinas -
inclusivamente, já no ano passado algumas foram expulsas do sistema de ensino
privado.
Os trabalhadores que residem nas áreas
centrais da cidade de Luanda e cujo contrato é de renda resolúvel receiam uma
possível ordem de despejo dos apartamentos que ocupam, devido a falta de
pagamento da renda habitacional, no que constitui mais uma consequência da
ausência de pagamento dos salários em atraso.
Contactando por telefone por Maka
Angola a dia 29 de Janeiro de 2015, Henrique Abrantes disse não se
encontrar em Angola e que, “para poupar o vosso saldo por causa do roaming,
mais tarde ligarei para vocês”. Claro que isto não aconteceu. Na manhã
seguinte, insistimos e de novo não obtivemos resposta.
Tentámos obter o contraditório ligando
também à directora da GEFI, Guiomar Dias, mas fomos informados de que “a
doutora Guiomar não se encontra no país”. Solicitamos o seu endereço de e-mail
e ouvimos como resposta o seguinte: “Desde que a doutora viajou ainda não nos
contactou, por isso fica complicado.”
Tribunal entra em cena
Agastados, em Dezembro de 2014 os
trabalhadores interpuseram um processo contra a Fly 540 na sala de trabalho do
Tribunal Provincial de Luanda - Dona Ana Joaquina.
“Agora estamos mesmo dispostos a abandonar a empresa, mas antes têm de nos pagar todos os salários em atraso, o dinheiro dos descontos feitos para a segurança social e a indemnização pelo tempo de trabalho”, declararam.
“Agora estamos mesmo dispostos a abandonar a empresa, mas antes têm de nos pagar todos os salários em atraso, o dinheiro dos descontos feitos para a segurança social e a indemnização pelo tempo de trabalho”, declararam.
A Associação Mãos Livres foi a única que
se disponibilizou a representar juridicamente os 130 trabalhadores angolanos.
Brevemente, adiantou fonte da Mãos Livres, o tribunal vai notificar a direcção
da empresa para contestar a petição inicial dos funcionários.
Actualmente, os escritórios da Fly 540
estão encerrados e aos trabalhadores foi comunicado que a empresa entrou em
processo de falência.
Sob anonimato, um advogado próximo do
processo esclareceu que o tribunal terá de solicitar os documentos judiciais
que comprovem a declaração de falência da companhia aérea. Caso não exista um
documento judicial, então, esclareceu o advogado, a Fly 540 terá decretado uma
falência criminosa.
Nos termos dos artigos 140.º e 144.º,
ambos do Código Comercial vigente em Angola, a “acção de dissolução” de uma
sociedade “deve ser proposta contra a sociedade por algum sócio, credor social
ou ainda por um credor de sócio de responsabilidade ilimitada”.
Aguardemos novos desenvolvimentos do
caso.
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