Cassongo, vítima da intolerância
política, luta pela vida no Hospital de Cafunfo.
Maka Angola
Nos cuidados intensivos do Hospital de
Cafunfo, um dos membros da UNITA, Cassongo, que se encontravam na caravana
automóvel atacada a 16 de Fevereiro continua a lutar pela vida, com uma grave
fractura craniana. Ainda não há qualquer reacção oficial à emboscada sofrida
pela caravana em Cafunfo (Lunda-Norte), às mãos de elementos identificados como
sendo do MPLA e apoiados pela polícia. Do ataque, resultaram 18 feridos da
UNITA, uma viatura carbonizada e nove outras danificadas pelos atacantes.
Depois de duas noites internado devido
aos ferimentos que sofreu no referido ataque, o secretário para a administração
da UNITA no Cuango, João Muambongue, recebeu alta do Hospital de Cafunfo ontem
à tarde, Depois , marcado com seis pontos na nuca, ferimentos nos ombros e nas
costelas. Celestina Marco também passou dois dias internada, com ferimentos nas
costelas e a cara muito inflamada. Ambos regressaram hoje ao hospital para
prosseguirem com o tratamento.
O Ataque
Por volta das 7h45, a caravana da UNITA
chegou à primeira aldeia da comuna do Luremo, Muacassenha, rumo à sede comunal,
onde pretendia realizar a sua actividade política. “Vimos uma barricada na
estrada com uma multidão à volta. Afrouxámos a marcha e começámos a ser
apedrejados”, conta João Muambongue.
“O secretário do MPLA no Luremo, Lino,
estava à frente da multidão, a dirigir o ataque. Ele também atirava pedras”,
afirma o secretário da UNITA, acrescentando que alguns dos seus militantes se
desdobraram em esforços para proteger os veículos e, na acção, “conseguimos
apanhar o secretário do MPLA e um outro elemento do MPLA, que comandavam o
ataque”.
A captura dos referidos elementos,
segundo João Muambongue, causou a reacção imediata dos efectivos policiais que
assistiam ao ataque. “A polícia efectuou disparos contra nós para nos forçar a
soltar os membros do MPLA. Largámos o secretário”, continua o interlocutor.
João Muambongue explica terem batido em
retirada do local, já com alguns feridos e vidros partidos, mas levando sob
custódia um dos militantes do MPLA. “O homem que nós apanhámos levou umas
chapadas e uns pontapés e trouxemo-lo para Cafunfo como prova do ataque que
sofremos. Entregámo-lo à polícia.”
A Emboscada do Gika
Entretanto, no regresso a Cafunfo, às
11h12, já no Bairro Gika, a caravana viu-se novamente paralisada por uma
barricada, controlada por um agente regulador do trânsito, com uma multidão à
espera e os agentes policiais a dar-lhe cobertura.
Alguns jovens militantes do MPLA
entrevistados pelo Maka Angola foram unânimes em revelar que a
representação do MPLA no Luremo alertou, por via telefónica, o soba Manhinga,
do Bairro Gika, sobre o seu membro que a UNITA levava sob custódia. “Os homens
do Luremo ordenaram-nos que fizéssemos uma barricada no Gika e impedíssemos a
passagem da UNITA”, revelou um dos jovens, sob anonimato.
Debaixo de uma chuva de pedras, paus e
outros objectos contundentes, as primeiras viaturas furaram o cerco e
dirigiram-se à Segunda Esquadra, do Bairro Gika, a uma ligeira distância do
local da barricada. O secretário provincial da UNITA, Domingos de Oliveira,
procedeu à entrega do homem que tinham capturado no Luremo.
Uma multidão também os havia seguido até
à esquadra, em cujo quintalão o soba Manhinga tem a sua residência. Este, de
fisga na mão, continuou a dirigir a operação de apedrejamento e a proferir
ameaças mesmo diante da polícia, segundo depoimentos de várias testemunhas.
No local do cerco, a situação tornou-se
trágica para os que lá ficaram. E aqueles que haviam chegado à polícia
regressaram ao ponto da barricada, em solidariedade para com os seus colegas
ali bloqueados.
“O nosso carro [Toyota Hilux de cabine
dupla], o que foi queimado (na foto), era o oitavo na caravana. Fomos retirados
da viatura e espancados com pedras, na cabeça, na coluna, em todo o corpo.
Retiraram-me o rádio de comunicações Motorola, 20000 kwanzas, e espancaram-me
até não me poder levantar do chão”, relata a vítima. A viatura transportava 11 passageiros,
seis dos quais mulheres.
“O comandante Ngonga, da Esquadra do
Bairro Gika, fardado, arrastou-me para me afastar da viatura, chamando-me de
bandido e dizendo que nós da UNITA devíamos morrer ali mesmo”, narra João
Muambongue. Para desfazer quaisquer equívocos, revela: “O subinspector Ngonga
estudou comigo, foi meu colega de turma, por isso não me posso enganar sobre
quem ele é.” Aventa a possibilidade de ter sido mais espancado pela população,
para além de ter sofrido algumas pedradas de agentes policiais. Afirma, no
entanto, que o motorista da viatura carbonizada, que se encontra internado,
“foi mesmo torturado pela polícia. Eu estava presente”.
Quando já estava a uma distância segura
viu então, de acordo com o seu depoimento, “o secretário da JMPLA do Bairro
Gika com um bidon de gasolina, de dez litros, a regar o carro e a incendiá-lo.
Eu vi com os meus próprios olhos”.
Numa das fotografias a que o Maka
Angola teve acesso, vê-se o comandante da unidade policial do
Bala-Bala, inspector-chefe Galeano, a apreciar o incêndio do veículo sentado na
sua motorizada.
“Os polícias assistiam ao ataque como se
estivessem a ver um jogo de futebol. Só depois nos transportaram, os mais
feridos, para a Segunda Esquadra, onde ficámos cerca de meia hora. Depois fomos
levados ao hospital”, afirma Muambongue.
Por sua vez, o secretário provincial da UNITA, Domingos Oliveira, que dirigiu a comitiva, disse ao Maka Angola ter informado pessoalmente o administrador municipal do Cuango, no dia anterior, sobre a sua visita ao Luremo. “Era nosso desejo visitar essa comuna por causa da intolerância política que aí se verifica contra a oposição”, explica.
Por sua vez, o secretário provincial da UNITA, Domingos Oliveira, que dirigiu a comitiva, disse ao Maka Angola ter informado pessoalmente o administrador municipal do Cuango, no dia anterior, sobre a sua visita ao Luremo. “Era nosso desejo visitar essa comuna por causa da intolerância política que aí se verifica contra a oposição”, explica.
Domingos Oliveira também abordou a
questão da viagem com o administrador do Luremo, Lourenço Sahunjo, “que nos
garantiu que seríamos recebidos pelo seu adjunto, na comuna, e que a polícia
garantiria a ordem e a tranquilidade”.
“A polícia deu protecção aos atacantes.
É assim a resolução da intolerância política de que o senhor presidente José
Eduardo dos Santos fala nos seus discursos. É essa a estabilidade política que
temos no país?”, interroga-se o secretário provincial da Lunda-Norte, que
escapou ileso dos ataques.
Por sua vez, o comandante municipal da
Polícia Nacional no Cuango, superintendente Celestino Caetano Bravo, concentrou-se,
com um forte dispositivo unificado de militares e agentes policiais, num dos
principais largos de Cafunfo, junto aos contuários (postos de compra de
diamantes) de Didi Kinwana e Baka. Centenas de efectivos da Polícia de
Intervenção Rápida (PIR), soldados das FAA e agentes da Polícia Nacional
haviam-se desdobrado pelas artérias da vila de Cafunfo, prontos a intervir.
Essa operação respondia às dinâmicas
etnolinguísticas que animam as lutas políticas naquela região. A vila de
Cafunfo é predominantemente habitado por tchokwés, o principal grupo
etnolinguístico da região. Grande parte deste povo, naquela localidade, é
considerada rebelde, contrária aos desígnios do poder. O Bairro Gika é dominado
por bângalas e considerado o bastião do MPLA em Cafunfo.
Sobre o ataque à caravana da UNITA,
Celestino Caetano Bravo negou o envolvimento de militantes do MPLA. “Não foi um
ataque dos militantes do MPLA. Não dou entrevistas por telefone. Se quiser
falar comigo pode vir ao município”, conclui abruptamente a conversa. Não mais
responderia às tentativas de contacto por parte do Maka Angola.
Caça ao Homem no Luremo
No Luremo, vários militantes da UNITA e
cidadãos oriundos do sul de Angola, Uíge e Malanje tiveram de refugiar-se no
comando da Polícia de Fronteira, na localidade da Curva, onde passaram a noite.
Fontes locais afirmam ter havido ordens
para capturar cidadãos oriundos das regiões acima mencionadas, “porque são
esses que dão mimos à UNITA”. Um jovem do Uíge, conhecido apenas por Nando, viu
a sua cantina ser destruída por uma horda de populares.
Alguns já se encontram deslocados em
Cafunfo, onde se sentem mais seguros.
Como demonstram estes lamentáveis
acontecimentos, é muito frágil a convivência democrática entre o partido no
poder e os partidos da oposição. A tão propalada estabilidade política em
Angola pode facilmente resvalar em massacres.
Sem comentários:
Enviar um comentário