Hoje, Grande Entrevista atravessou
metade do país, para desembarcar no Huambo e encontrar um cidadão, que para
muitos pode parecer anónimo, mas é um intelectual a muito ligado as causas da
liberdade e democracia, no sul do país. Com intervenção civíca acutilante,
Angelo Kapwatcha, activista dos Direitos Humanos e Presidente do FORDU-Fórum
Universitário, palmilha o território, busca respostas e quando não as obtém não
desiste, continua a luta, contorna obstáculo e vai dizendo, que só lutando se
chega lá. Por esta razão, acredita que Angola pode mudar, mudando a estrutura
de um regime, que a si mesmo deixou de se respeitar
Folha 8 – O MPLA, quer revisão orçamental agora, o
que lhe parece, neta altura? Positivo ou negativo?
Angelo Kapwacha - Começaria
por dizer que nos interessa saber não só a revisão do OGE mas sobretudo como
a verba vai ser gasta e quem vai gastá-la como e onde! E se quem vai
implementar o OGE (o Executivo) terá mudado de atitude, comportamento e
prática. Quanto ao MPLA é um Partido incoerente com os valores da democracia e
transparência por defeito governativo. Essa incoerência é também característica
emprestada ao Governo e por contágio ao Estado Angolano.
F8 – Como assim?
AK - Remontando ao
passado recente, os grandes slogans que deram cobertura propagandística ao
MPLA nas eleições de 2008 e 2012 foram “a construção de 1 milhão de casas” que
no fim se distanciou tanto da realidade quanto o céu da terra. Em 2012 não
poderia ser mais eloquente o “PRODUZIR MAIS PARA DISTRIBUIR MELHOR”. Em todas
as posições que toma sobretudo em dois sectores justapostos: Economia e
Política, tem se caracterizado pela incoerência e desvalorização do consenso
moral, sobretudo quando a nobreza de opinião e ponto de vista provierem dos
adversários políticos. O nosso OGE possui um “currículo manifesto” e um
“currículo oculto”.
F8 – O que quer dizer com manifesto e oculto?
AK - Geralmente o
que se lança no OGE não se destina aos projectos manifestamente defendidos,
embora nos últimos 5 anos a tendência do OGE seja subir, tanto que em 2015 a
previsão seria quase gigantesca, mas na prática os OGE não estão alicerçados
na transparência, por isso, findo o ano económico, não existe uma clara avaliação
do desempenho e aplicação das verbas do OGE do ponto de visto do quadro
esperado e do quadro alcançado, tudo na perspectiva de progresso humano. A
revisão de que o MPLA concorda que se faça, esperamos que não seja para
fragilizar ainda mais as rubricas sociais e agigantar as rubricas de segurança
e exércitos em tempo de paz. O mesmo se diz de alocar somas avultadas em
sectores supérfluos e cosméticos no lugar de agricultura, pesca, turismo,
educação, saúde e previdência social.
F8 – Acredita que se houver fracas
receitas, fortes consequências teremos na máquina
estatal, logo se impõe a rectificação?
AK - O
nosso nível de receitas públicas e, consequentemente, a capacidade de
financiar despesas sem recorrer ao endividamento externo, é determinado pelo
preço do petróleo, além, naturalmente, dos níveis de produção. Assim, o OGE de
2013, 2014 e obviamente 2015 foram elaborados numa cotação média de 96 USD por
barril de petróleo. Essa queda brusca leva aos cortes em percentagem acima de
20% das despesas que podem paralisar a economia. Não é demais reafirmar que o
OGE é, ou deve ser, o principal instrumento para dar corpo às políticas
públicas que traduzem o Programa de Governo do partido que “ganhou” as eleições
em 2012. Por isso, o escrutínio público, o debate em torno das opções –
explícitas ou não – do OGE e a advocacia em defesa de opções que promovam a
justiça distributiva e social, a redução da pobreza são fundamentais para o
almejado progresso social, capaz de dotar o país com meios de vidas sustentáveis.
É importante reiterar como o fizemos há instantes, que o grande slogan que deu
cobertura a tal programa foi “Crescer mais para distribuir melhor”, competindo
agora à sociedade fazer o acompanhamento do cumprimento da promessa.
F8 – Então não acredita em efeitos
positivos com a rectificação?
AK - A
revisão em si, não é um valor acrescentado, depende muito das rubricas
revisadas e sua relevância na máquina estatal. Seja como for, o efeito imediato
é a alteração de contratos já firmados no âmbito dos investimentos públicos,
adiando os compromissos governativos, por conseguinte alterando os programas,
planos e promessas. Dificultará igualmente a execução do orçamento dentro dos
prazos e tempo útil, levando a atrasos ou cancelamento de obras de vultos como
escolas e vias de acesso. Para mais: existe consequências a vários níveis e do
início do ano para diante, porque de forma sistémica isto tem efeito
bomerangue: para empresários a diminuição dos trabalhadores trazendo
desempregos; para o povo, não receberá os serviços desejados do Estado em tempo
útil. Para a economia, registará uma regressão produtiva que poderá
igualmente agravar o deficit social. Para os humanos de Angola registar-se-á a
mobilidade social estacionária e descente o que impede o progresso humano. A
longo prazo este quadro trará uma pobreza socioeconómica generalizada.
F8 - O executivo de Eduardo dos Santos poderia
evitar esta decalage?
AK - O
Executivo de José Eduardo dos Santos, poderia evitar situação semelhante se
fosse proactivo na sua governação. Mas infelizmente em todos os aspectos com
pior sentido na economia, o executivo de José Eduardo dos Santos é reactivo:
reage quando a situação já está na fase de emergência “é o governo-bombeiro”
que tenta desesperadamente apagar um fogo já ateado na seara. Agravado com o
facto de a libertinagem, a falta de probidade, a falta de transparência, o esbanjamento
baseado em consumismo desenfreado e muitas vezes desnecessário, os gastos de
avultadas somas monetárias com bens supérfluos e de luxo são a característica
da nobreza eduardista. Assim não se pode contar com muito êxito num Executivo
de gravíssima indisciplina económica: o BESA e o BNA têm casos ilícitos
recentes e sucessivos para nutrir o exemplo.
F8 - Que reflexos haverá na economia
nacional, mais concretamente, na restante máquina produtiva?
AK - Um
exercício inevitável mas dramático é analisar as contas públicas sem
petróleo. A economia nacional está quase ancorada na mono-produção do petróleo,
evidentemente que o “boom dourado” do crude, num passado recente, não fora
suficientemente aproveitado e por conseguinte não financiará, na prática os
bens-substitutos de sectores alternativos como a tão propalada diversificação
da economia, pelo contrário, nutrirá a prepotência política, demolindo as
instituições democráticas.
F8 – Então está descrente?
AK –
Sim! A governação económica de Angola ganhou ócio e relaxamento por isso,
mais de 70% das receitas provenientes da indústria extrativa sobretudo o
combustível, conhecerão abalo significativo. Para um Governo que não valoriza
o primado da lei e também não é criativo, então auguramos que a máquina
produtiva poderá conhecer alguma depressão. Para um País caracterizado pelas
assimetrias sociais, exclusão e regionalismo existirá tendência de
desequilibrar ainda mais o OGE entre as províncias sobretudo penalizando as do
interior de Angola.
F8 – De que forma?
AK -
Angola é dos países produtores de petróleo que está mais despreparado para
enfrentar a queda, quer nos preços, quer nas reservas exploratórias em si. Mas
a economia sempre apresentou imprevisibilidade e por isso a precaução e a
prevenção sempre noutros lugares se baseou na diversificação/pluralismo
produtivo e menos paternalismo económico excessivamente agarrado ao combustível
estatizado. A rigor nós não temos um sector privado desgarrado do Estado, no
mesmo condão não temos empresários de sucesso que não sejam membros seniores
do poder executivo e seus parentes próximos por isso tudo o que abala o Estado
e estremece a máquina política por efeito de contágio desestrutura a economia.
F8 - Os produtos produzidos em Angola, ficarão mais caros, com a subida
do preço do crude?
AK - A
subida do preço do crude em si não afetaria os produtos produzidos em Angola.
Mas economicamente falando se trata de um custo externo que irá afectar as
pessoas que não estão directamente ligadas, mas dependem de forma
significativa. Todavia a experiência ensina-nos que os princípios de escolha
racional nos mercados formais de bens e serviços devem estar sempre ancorados
nos cálculos de Custos/Benefícios. A subida do crude no mercado nacional
formal representa custos para o cidadão e como medida defensiva, este cidadão
eventualmente alterará os preços dos produtos que dele dependem, sobretudo no
mercado informal que mais vidas humanas suporta, referindo-nos aos custos de
táxi e dos produtos de campo principalmente os cereais, os leguminosos, as
frutas, os de origem animal e o marisco. Receamos a inflação galopante, pois
há indícios bastantes. O kwanza apresenta uma debilidade crescente face ao
dólar. Um Estado que não produz como é o caso de Angola mas consome dependendo
das importações, obviamente que tem uma dependência directa às moedas dos
países fornecedores de bens e serviços, logo, sem capacidade e valor agregado
para controlar a sua inflação através do preço de equilíbrio. Esse preço de
equilíbrio em Angola só seria feito por via petróleo e kwanzas. Ora, a economia
das famílias, tal como a dinâmica do sector microeconómico de Angola surgiu
como resposta à ineficácia e ineficiência das políticas macroeconómicas do
Estado patrimonialista. A dinâmica da economia da maioria das famílias
angolanas não está condicionada pelas políticas macroeconómicas do Estado.
Assim, face a esta situação, o povo irá refugiar-se no seu habitual mercado
informal e entranhar-se na cena campestre. O Estado deverá no lugar de
reprimir ou perturbar os pequenos e médios camponeses e vendedores informais
encontrar políticas organizadoras e incentivadoras dessas dinâmicas que são a
âncora que sustenta as mudanças bruscas na economia política do Estado.
F8 - Que relevância política terá o
parlamento, que não fiscaliza, estando a ser
chamado para esta situação de rectificação?
AK -
Realçando a característica libertina e opaca da gestão do Executivo Eduardino
podemos exemplificar o caso SONANGOL. Na altura de ameaça económica geral
decorrente da baixa de preço do petróleo no mercado internacional o povo angolano
poderia olhar para as poupanças acumuladas e a dinâmica de investimento a curto
prazo para gerar liquidez alternativa. Tal como o famoso Fundo Soberano do
petróleo. Ora a SONANGOL que é o eixo central da gestão da indústria petrolífera,
que ganha bónus das corporações transnacionais que ao longo de quase 40 anos
da Independência tem explorado o petróleo, vende o combustível e ainda
estende seus interesses em outros sectores sobretudo a banca e o imobiliário
comprando acções. Essa mesma SONANGOL quer nos níveis estratégicos e táctico
quer no nível operacional não se subordina claramente ao Ministério das
Finanças nem ao Ministério dos Petróleos, mas ao Presidente da República.
F8 – Não concorda com este quadro?
AK –
Não! Porque o conflito de interesses é a sua marca quase permanente o que
dificulta a cobrança de responsabilidade num momento como este. As instituições
políticas que deveriam servir de peso e contrapeso no sector industrial,
sobretudo ao petróleo são inexistentes ou fracas. Falo do Judiciário que não
possui independência política e funcional, dos órgãos da administração pública,
onde os exemplos são flagrantes de promiscuidade, onde desponta o BNA e a
banca comercial/pública, onde os crónicos e sucessivos roubos confirmam para além
de várias queixas apresentadas por activistas contra figuras do Estado, isso
não conheceu qualquer andamento no sistema de Justiça.
F8 – Então não acredita no sistema de
justiça, nem noutros sectores?
AK - Os
sectores que deveriam zelar pela implementação do primado da lei, respondem
directamente ao Presidente da República, tais como a Procuradoria Geral da
República, o Provedor da Justiça e outras estruturas superiores da justiça e
não têm relatórios e documentos essenciais publicados, que sirvam de recurso e
reflexão positiva.
F8 – Mas temos a Assembleia Nacional...
AK –
Deveríamos ter o Parlamento, infelizmente, não o temos, muito pela bancada
maioritária, que é uma força de bloqueio... Ora o nosso Parlamento é
“parlamento de partidos” e não é “parlamento de deputados”. O mandatário
directo do deputado em Angola é o Partido através da conversão de votos em
mandatos. O povo surge como interlocutor directo do partido em que votou e cujo
critério de selecção de deputados não fora sufragada directamente por ele. O
caminho como foi formada a Assembleia Nacional, determina o seu funcionamento e
no nosso caso, os grupos parlamentares respondem directamente aos líderes dos
partidos. As visitas de campo que efectuam não produzem nem opinião pública
relevante nem relatórios com validade interna ou externa para se redefinir
rumos. Mais, o parlamento angolano não tem acesso as informações essenciais
estando muitas vezes fechado na produção de leis que não são aplicadas.
F8 – Como assim?
AK - A
título meramente exemplificativo o nosso Parlamento produziu leis como a Lei
nº20/10 de 7 de Setembro (Lei de Contratação Pública Angolana), a Lei nº3/10
de 29 de Março (Lei de Probidade Pública); a Lei nº34/11 de 12 de Dezembro
(Lei do Combate ao Branqueamento de Capitais); a Lei nº6/99 de 6 de Agosto
(Lei das Infracções contra a Economia Angolana); a lei nº5/05 de 29 de Julho
(Lei do Sistema de Pagamentos de Angola); a Lei nº13/5 de 30 de Setembro (Lei
das Instituições Financeiras de Angola), essas leis se fossem aplicadas à
letra e no espírito haveria impacto e resultados positivos na manutenção dos
fundos públicos. Pelo contrário, a sua não aplicação tem sido a auto-estrada
para os descaminhos, a promiscuidade e as ilicitudes económicas que empobrecem
o Estado.
F8 – Mas não podemos criticar só a bancada
parlamentar, temos também as bancadas da oposição que poderiam actuar mais.
Não acha?
AK – É
verdade que os grupos parlamentares dos Partidos da Oposição, por inerência da
sua luta política, são os que têm vontade política de fiscalizar os actos
governativos, mas esta função deveras, nuclear fora removida do ficheiro da
Assembleia Nacional graças a manha e habilidade do grupo parlamentar do MPLA
que como “placa de chumbo” se estende com a sua maioria esmagadora por cima
dos interesses da Nação. Seja como for, os parlamentares da oposição, que têm
sentido de Estado, devem unir sinergias com a Sociedade Civil engajada na
transparência e defesa de direitos humanos no sentido de se intensificar a
luta aproveitando todas as oportunidades disponíveis quer no espaço interno
quer no espaço internacional para denuncia, advocacia, reclamações incluindo,
fazendo uso dos mecanismos da ONU e da OUA em seus debates periódicos de avaliação
dos Estados - membros na implementação dos direitos económicos, sociais e
culturais sobretudo…
F8 – O MPLA com esta acção mostra sentido
de Estado ou trata os deputados como uma espécie insignificante?
AK - O
MPLA desde a sua história ligada ao poder político construiu uma sociedade
angolana assente no patrimonialismo entendido como a apropriação indevida e
distribuição dos recursos públicos com objectivo de assegurar a sua
permanência no poder e por esta via comprar a legitimidade governativa à
dinheiro. É o dinheiro que produziu a hegemonia política do MPLA, permitindo
o controlo interno e a cooptação dos potenciais rivais. Mesmo a máquina de
fraudes eleitorais só são sustentadas graças ao controlo da economia. Sendo
assim, não seria demais dizer que no MPLA não se reflecte qualquer sentido de
Estado, pelo contrario trata-se de um partido que só conhece a liberdade quando
se trata com todos os custos de algemar a soberania popular e privatizar o
conceito de Estado.
F8- Na sua lógica, ainda estamos sob a batuta
do partido/Estado?
AK-
Sem dúvidas e margem para dúvidas. Até um cego vê. Este Partido-Único numa
encenação de multipartidarismo, aparece como a figura central de gestão da
coisa pública e afectação imperativa de valores e distribuindo cargos e funções
governativas aos seus fieis acólitos, fragilizando o Estado quase exíguo. Uma
complexa estrutura militar e policial, com colete partidário, nas vestes de
órgão apartidário do Estado, onde os seus altos oficiais, estão cercados de
todos os privilégios sociais e materiais que resulta num despotismo que anula
a República e principalmente o Estado de Direito. É por isso que o MPLA nunca
entenderá as fronteiras entre Estado-Governo-Partido porque nas suas práticas
o MPLA continua Partido-Estado sendo por isso, adverso a destruir o principio
de separação de poder e desvalorização da prestação de contas
(accauntability). Os comités de especialidade, o privilegio económico-empresarial
dada aos filhos do Presidente incluindo a Gestão do Fundo Soberano de Petróleo
bem como a riqueza detida por altas patentes militares revela não só o
patrimonialismo presidencial como também o MPLA definido como Instrumento Material
de ganhar dinheiro e distribuir favores económicos aos seus fiéis. Este deve
ser um dos mais graves travões ao progresso e distribuição equitativa da
renda nacional. É nesta reflexão o lugar onde podemos interpretar o “cartão de
militante do MPLA” para aceder a cargos de chefia nas instituições que seriam
públicas por definição mas acabam sendo partidárias por implementação.
F8 – Com todo este quadro, haverá reflexos dramáticos nos organismos
sociais?
AK - A
educação, a primeira infância, a adolescência, a juventude, os idosos, a
habitação, a saúde, a segurança pública, os transportes colectivos, a
justiça, o sector da Mulher, seriam entre outros a nosso ver os sectores
sociais mais exigentes ao Estado e de facto o Orçamento-Cidadão que o
Ministério das Finanças produziu no ano passado que nada mais do que divulgar
ao cidadão o Plano Nacional de Desenvolvimento PND-2017 como fase propedêutica
ao plano de Desenvolvimento Angola-2025 seriam os pilares para o progresso
social desde que privilegiada a busca de qualidade. Esses sectores poderão
ser afetados com os cortes que podem vir a ser feitas ou já sejam efetuados no
OGE revisado e exigira a alteração das estratégias, tácticas e operações. Se o
reflexo for dramático conforme a pergunta evidentemente isto produzir a
mobilidade social descendente para as classes baixas e a mobilidade social
estacionária para as classes altas, mas com manha e habilidades da classe alta
estes não serão afectados, já que do sector social não recebem nada de Angola
por não usarem educação e saúde de Angola mas sim do estrangeiro. O povo é o único
que fica com a pior coisa no meio de tudo isto.
F8 – O povo vai ver a sua vida piorar, com
a alta da inflação?
AK -
Neste momento está generalizado o receio de que se a situação económica
piorar, os salários da Função Pública podem vir a sofrer algum reflexo negativo.
Mesmo que nominalmente se mantiverem em posições estáveis essa estabilidade
salarial só o será à medida que se traduza em cabazes compatíveis com o nível
de vida de seus titulares. Mas, na realidade, deparar-se-ão com um mercado de produtos
básicos caros e que para compatibilizar o salario nominal com o salário real
(capacidade aquisitiva) para suprir as necessidades da família, o Estado ao
invés de produzir dinheiro com económica que seria dinâmica, poderá
eventualmente imprimir o dinheiro e despejar nos bolsos dos cidadãos, cuja
consequência imediata será a inflação galopante e a subida vertiginosa dos
preços dos cabazes básicos tais como alimentação, vestuário, comunicações,
transporte, educação, saúde e higiene, lazer, etc já que haverá maior procura
desses bens sem oferta disponível. Não haverá equilíbrio de mercado.
F8 – O que acha pessoalmente, sobre toda
esta forma de gestão da máquina do Estado?
AK -
Evidentemente, temos um descalabro governativo pior que do tempo colonial.
Aliás, o tempo colonial deixa nostalgia aos adultos que lá tiveram o privilégio
de viver. O MPLA é um Partido-Estado-Governo que aprecia culpabilizar as
vítimas da sua má e mal governação. Quase, 40 anos de gestão colossalmente
negativa, o MPLA culpa o colono e culpa as potências europeias e americanas
pela actual desgraça do povo angolano. A gestão do MPLA e concomitantemente
do governo angolano procuram a explicação da pobreza na natureza do pobre e
nunca na ineficácia e ineficiência da sua governação; para daí se desresponsabilizar
de garantias fundamentais. Isto está patente nas palavras do próprio
presidente quando dizia: “…quando nasci, já havia pobreza em Angola”. Partimos
do princípio de que o MPLA está há mais tempo no Poder e esgotou todas as
alternativas felizes de gestão. Aos seus líderes e sequazes próximos não há
nenhuma ilicitude de que não tenham sido acusados. Não têm mais nada a trazer
para a “festa” senão a retórica de “papo furado”. Dissemos atrás que a governação
do MPLA usa a economia e a sua desigual estrutura como o “combustível” para a
sua máquina política andar, sem a economia baseada no patrimonialismo, no
clientelismo e no nepotismo o MPLA não se arrogaria a governar porque lhe falta
discrição, probidade e sobretudo o, já referido, sentido de Estado. Esses
atributos de per si negativos são nutridos pela endemia da corrupção, que
também o MPLA criou no País, como o sector mais dramático que faz com que não
seja possível a implementação do primado da lei consequentemente do Estado de
Direito. A longo prazo esta gestão escravizante trará conflitos em proporções
menores ou maiores a depender dos actores envolvidos. Num Estado de Direito e
num Governo responsável as leis seriam usadas para limitar os abusos do
próprio Estado e orientar o cidadão aos valores da honra, da probidade, das
liberdades, da promoção da grandeza desse País e na cuidadosa preparação das
futuras lideranças que sairiam das arenas onde num sentido de pluralismo
democrático iriam pleitear e fazer valer suas demandas. Não se sonha assim,
num Estado cuja gestão está acorrentada ao nepotismo e patrimonialismo, com
única linha sucessiva de privilégios cuja balança é o Partido. Felizmente, a
política oferece instrumentos que uma vez bem aproveitados e postos em marcha
podem de forma paradigmática inverter o quadro; basta que o povo tome mais
consciência de seu espaço e cobice sua soberania e diga Basta…!: existem
actualmente exemplos que podem ser instrutivos para o futuro…
F8 – A vida do povo, mais pobre vai ser
afectada drasticamente?
AK -
Geralmente, as populações mais pobres a sua vida está ligada ao campo,
produzindo na cena campestre meios de subsistência. Essas pessoas não possuem
cultura de rendimentos para escoar aos mercado mais rentável. O programa do
Governo “Papagro” é novo e ainda não produziu impacto e resultados objetivamente
verificáveis. Não possuem produção agrícola de comercialização que lhes liguem
a uma grande dependência as mudanças macroeconómicas, por isso as suas vidas
poderão ter efeito estacionário em certos bens e serviços como educação e
saúde. Noutros campos não poderão estar afetados, uma vez que nunca beneficiaram
directa ou indirectamente dos frutos de economia próspera do Estado. Tal
deve-se ao facto de que a “PRODUZIR MAIS E DISTRIBUIR MELHOR” nunca teve
respaldo na vida dos camponeses de subsistência. O MPLA tem produzido muito e
distribuído melhor; só que, ele produz e distribui para a mesma meia-dúzia de
gente privilegiada. Onde não haja justiça distributiva, o povo se sente
desgovernado e não conhecendo os benefícios da governação, grandes mudanças
na esfera económica trazem consequências muito indiretas nas suas vidas que no
geral não se apercebem, no todo. É por isso que se deve incentivar as
populações mais pobres a aproximarem-se da agricultura de rendimento e
comércio igualmente rentável ao seu nível, porque dessa forma consegue
responder à demanda, nos momentos mais alarmantes como estes.
Em algumas franjas da população, a pobreza
ficou tão cristalizada que criou a cultura de sobrevivência. Eles não têm a
consciência clara de que foram empobrecidos pela desigual estrutura de poder
económico do Estado, que lhes tem deixado uma cadeia sucessiva de estagnação
económica. Em suma, graças ao subliminar programa de exclusão socioeconómica
do Governo que sente a sua autoridade política e poder hegemónico ameaçados
quando o povo luta, por esforço próprio, para ficar rico e aí inventa-se
estratagemas para travar o progresso do povo.
F8 – Então os camponeses e as zonas
rurais estão abandonados?
AK - As
zonas rurais estão numa situação pior: Mas, felizmente os lutadores das zonas
rurais desconstroem e desafiam a noção de que seja uma população moribunda. O
seu sofrimento tornou-se no agente motivacional, na seiva catalisadora para a
luta em busca de novos “amanhãs que cantam”. Através dos mecanismos de
sobrevivência, luta de sorte e esforço meritório, desafiam o seu voto marginal
e sua cultura de empobrecimento exógeno e passa a mensagem de que embora
debilitado, vencido, humilhado, vergastado, cabisbaixo não é um povo acabado
mas sim peregrino em busca de um novo amanhecer. E diz: “parecendo incrível
mas lá vem o sol”.
F8 - Acredita que o aumento do preço dos
combustíveis vão conseguir equilibrar as contas do Estado?
AK -
NÃO! Porque não se trata de um aumento nem significativo nem resultante de
equilíbrio entre custo-benefício. Pelo contrário, se trata de custos externos
tal como o referimos atrás. Num Estado patrimonialista sem probidade nem
transparência não é possível confiar nos relatórios de contas do Estado.
Assim, não estamos convencidos sobretudo confiantes de que a subida do
petróleo tenha sido motivada pelo interesse de equilibrar as contas do Estado.
Obviamente, que a descida vertiginosa do petróleo complica as contas de um
País como Angola de que o seu BIP dependa acima de 60% desse produto. A
descida do petróleo não é recente, houve uma queda histórica nos anos 70 do
preço do petróleo. Todavia, essa queda do passado tinha motivos económicos e a
actual suspeita-se que seja fruto de eficácia de alguma política das potências
consumidoras do crude tal como os EUA e China, bem como outras conjunturais
contextuais sobretudo a situação económica da União Europeia, os interesses
da Arabia Saudita nas dinâmicas do petróleo. Os biocombustíveis, a energia
solar e energia eólica bem como outras energias limpas têm produzido sucesso
e se esforçam a todo o custo perseguir o crude até ao mais baixo custo possível,
essa situação pode ser favorecido pelos desacordos no controlo quer de preços
quer dos níveis de produção de petróleo a nível da OPEP. Assim, a descida do
preço do petróleo sugere como uma descida com tendência contínua. Esta linha é
dramática para Angola por um lado, mas também pode ser oportunidade por outro
se o Estado quiser equilibrar as suas Contas: o Estado não consegue equilíbrio
com a subida interna do preço do petróleo. O Estado não pode punir o País e o
Povo como retaliação e vingança ao baixo preço internacional do crude, mas
adquirir experiência e inteligência produtiva para criar bens e serviços substitutos
para enfrentar estas alturas de desequilíbrio de mercado, face a um só produto.
É preciso diversificar a economia, com o concurso de todos, pondo em marcha
outros serviços e bens que gerem liquidez a curto, médio e longo prazo que
Angola tem em abundância.
F8 - Qual a receita que apresentaria,
neste momento, para uma melhor gestão da coisa pública?
AK - A
princípio fora de uma miopia de Estado colocaria a economia menos vulnerável a
economia externa, agrilhoada pelo preço internacional de venda do petróleo. O
sector terciário tal como turismo, serviços, telecomunicações, banca,
investigação cientifica nunca foram potencializados pelo Estado para gerar
liquidez, se-lo-iam. O sector primário como agricultura e outros recursos
minerais como o ferro, o ouro, o manganês, o mármore, etc nunca foram
explorados em Angola, impondo-se uma séria aposta, com projectos médios. O
sector primário nunca teve uma ligação directa com o sector industrial
secundário assim com um mar e rios ricos em peixe ainda Angola importa peixe.
Com solos ricos e aráveis Angola importa bens alimentares básicos como
frutas. A descida do preço do petróleo poderá, neste ponto de vista, ser uma
soberana oportunidade para se diversificar a economia e produzir inteligência
suficiente para o Estado secundarizar o petróleo e voltar-se para a economia
mais progressista que seja aquela que mais riqueza gera e mais emprego
proporciona. E tal não é o petróleo mas sim com uma indústria diversificada e
alimentada pela agricultura dinâmica e de rendimento, pescas, turismo, serviços
incluindo transportes podem sim, ser as receitas mais adequadas. Mas essa dinâmica
não poderá ser realidade se ainda não houver uma ligação directa entre a
economia e a política. Voltando ao estado patrimonialista que é Angola não
podemos ansiar progresso quando os escândalos financeiros como aquele do Banco
Espírito Santo continuarem a fazer carreira, ali onde o MPLA distribui favores
milionários a seus membros endossados na corrupção levando a falência bancos
com empréstimos perdidos. Significa que faltando o primado da lei não se pode
fazer muito na economia.
FOLHA8.
Edição 1223 de 07 DE FEVEREIRO DE 2015
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