Quando José Lima Massano telefonou a
Carlos Costa para dar por finda a garantia do Estado Angolano ao BESA
abriram-se em Luanda algumas garrafas de CRISTAL .
http://joaorendeiro.com/wordpress/?p=2184
De um golpe, cancelou-se uma dívida de
€3,3 mil milhões e livraram-se de apuros alguns largos e complexos créditos às
custas, em última instância, do Estado Português. Carlos Costa – na
especificidade do seu peso pluma – não “tugiu nem mugiu” e deu de barato o fato
consumado. Em Luanda nem queriam acreditar que pudesse ter sido tão fácil.
Mas o largo sorriso em Luanda
transformou-se em riso amarelo. A verdade é que por detrás da decisão do Banco
de Portugal quanto ao “Fundo de Resolução” no BES esteve o Banco Central
Europeu e Frankfurt não apreciou, de todo, o procedimento de Massano. O BCE
passou a considerar o Banco Nacional de Angola como contraparte não-confiável e
nem a nomeação do respeitado Governador José Pedro Morais susteve uma forte
reação.
Em Frankfurt estão instalados os pesos
pesados e a retaliação foi violenta: os ativos angolanos passariam a partir de
1 de Janeiro de 2015 para uma ponderação de risco de 100%. Isto significa uma
pesada contração do financiamento da banca internacional a Angola por força de
um significativo aumento dos “spread”.
A primeira vítima colateral desta
alteração estratégica do BCE foi, como se sabe, o BPI. Está agora sem
saber o que fazer ao seu BFA sendo que a única certeza é a de que o BPI não vai
seguramente aumentar a sua exposição a Angola – quando esta mais precisa.
Mas a dificuldade prudencial do BPI é
igual à dos restantes bancos. Todos os bancos que dão crédito a Angola e
às empresas angolanas terão os seus ponderadores prudenciais dramaticamente
penalizados e a reação inevitável será uma forte contração desse crédito.
A forte contração do crédito
internacional a Angola por razões prudenciais não podia ter vindo na pior
altura. Como se sabe a queda do preço do petróleo coloca enormes desafios a
Angola e a conjugação destas duas dificuldades torna a situação angolana muito
delicada.
O petróleo representa 95% das
exportações e 75% da receita fiscal de Angola e isto basta para ver a
importância que uma queda do preço do petróleo em mais de 50% tem numa economia
com esta estrutura. Acresce que o custo médio de extração de petróleo em Angola
andará pelos $60 por barril, isto significando que alguns campos
marginais têm que ser temporariamente encerrados nos atuais cerca de $ 50 bp
BRENT diminuindo, em consequência, as exportações.
O quadro macroeconómico neste contexto
foi evidentemente profundamente afetado. Como definição deve dizer-se que a
economia Angolana é um caso clássico do que os economistas designam por “Dutch
Disease” (como o THE ECONOMIST designou seminalmente em 1977 a economia
holandesa pela sua dependência no gás natural) tendo todo o síndroma de uma
dependência – neste caso do petróleo. Esta “Dutch Disease” tendo uma patologia
clara tem, também, remédios óbvios – desde que o paciente os aceite, bem
entendido.
A economia angolana entrou na recente
queda do petróleo num quadro macroeconómico bastante equilibrado. Depois do
programa de ajustamento do FMI de 2008/2009 relacionado com a queda do preço do
petróleo na crise financeira, Angola restabeleceu rapidamente os seus
equilíbrios. A recuperação do preço do petróleo para a zona dos $ 100 por
barril permitiu uma “boa saúde” financeira. A dívida pública nos 18% do PIB faz
inveja a qualquer pais europeu e, por exemplo, o saldo do Orçamento do Estado
em 2012 foi de +6,2 % (sim, positivos).
As reservas internacionais de ouro e
divisas estavam em 2013 nos $38 mil milhões bem maiores do que o saldo da
dívida externa nos cerca de $22.7 mil milhões.
Com o petróleo a $100 por barril as
contas externas apresentavam uma posição muito confortável. Por exemplo, em
2013 as exportações foram de $71 mil milhões e as importações de $26 mil
milhões gerando um saldo comercial apreciável. Isto permitiu um forte fluxo
negativo na balança de capitais e, mesmo assim, um saldo positivo da balança de
pagamentos de uns $6 mil milhões.
A queda do preço do petróleo para a zona
dos $45/50 pb tem um conjunto de implicações: redução drástica das exportações
em valor e seu impacto nas reservas cambiais; forte redução das receitas
fiscais e seu impacto no deficit orçamental e, last but not least, desequilíbrio
orçamental na SONANGOL dado o custo de exploração ser da ordem dos $60.
Faz, assim, toda a diferença considerar
se esta queda brutal do preço do petróleo é um fenómeno conjuntural ou
estrutural. Se podemos imaginar que o petróleo regressará em breve para a zona
dos $100 pb ou se estabilizará num intervalo dos $40/60.
O Presidente Eduardo dos Santos decidiu
pelo caminho da prudência e o Governo de Angola está a refazer os
cálculos do Orçamento considerando um cenário central para o preço do petróleo
de $40 pb em vez de $81. É, a meu ver, um cenário de stresse extremo mas
parece-me inteligente aproveitar esta conjuntura por duas razões. Primeiro, por
pensar que o preço do petróleo vai andar nos próximos dois anos mais próximo
dos $60 pb do que dos $100 bp e, segundo por este enquadramento permitir a
introdução de medidas de política que, justamente, podem fazer face à “Dutch
Disease”.
Porque é que, na minha avaliação, o
preço do petróleo andará mais próximo dos $60 do que do $100?
A brutal queda do preço do petróleo de
quase 50% tem razões específicas ao mercado petrolífero mas tem, também, causas
mais gerais da maior importância. Veja-se, por exemplo, que o índice BLOOBERG
das COMMODITY – onde o petróleo se integra – caiu 75% entre 2011 e Janeiro de 2015.
Isto significa que há fatores mais gerais comuns a toda a categoria que se
devem considerar.
São eles a desaceleração do crescimento
económico da China e a reversão do entesouramento ligado com o fim do
Quantitative Easing nos EUA.
O crescimento de dois dígitos ao ano da
economia chinesa nos últimos 15 anos foi o grande impulsionador da procura
mundial de Commodities. Em 2014 a economia chinesa cresceu próximo dos 7% e nos
próximos anos provavelmente ainda menos. O impacto de 5 ou 6 pontos percentuais
a menos no crescimento chinês traduzidos em menor procura de commodities
é gigantesco e isso teve um óbvio impacto nos preços.
Em segundo lugar, houve uma reversão no
entesouramento financeiro em commodities. A introdução do Quantitative Easing
nos EUA na sequência da crise financeira de 2008 levou a uma queda muito forte
das taxas de juro, que ficaram em alguns casos negativas. A proteção dos
investidores quando as taxas de juro real negativas vai no sentido da aquisição
de ativos reais como o imobiliário e as commodities e daí se ter dado um enorme
afluxo de capital para instrumentos financeiros ligados aos mercados de
commodity que não tinham, na verdade, tradução na economia real.
A inversão em Outubro de 2014 da
política de QE nos EUA e o início da subida das taxas de juro levaram à
reversão do entesouramento e, portanto, à venda dos produtos financeiros que o
suportava.
O conjunto destes dois fatores – forte
decréscimo da procura originada na China e reversão do entesouramento
financeiro – levou a uma fortíssima queda de praticamente todos os
preços de commodity, em alguns casos de dimensão muito maior do que o preço do
petróleo. Qualquer um destes dois fatores não parece ter uma reversão
significativa num próximo horizonte pelo que se não vê uma rápida e forte
recuperação dos preços das commodity num horizonte curto.
Mas o mercado da procura e oferta de
petróleo a par das suas condicionantes geoestratégicas tem também razões que me
leva a pensar em preços de mercado mais próximos dos $60 pb do que dos
$100 pb.
Desde logo, num quadro de arrefecimento
da procura mundial de petróleo que se estima tenha encontrado um patamar
superior nos 30 milhões de barris por dia, a produção mundial de petróleo
tem vindo sempre a subir. Por exemplo, entre 2008 e 2014 subiu cerca de
4,1 milhões de barris por dia ou seja quase 80%. No forte crescimento da
produção destacaram-se as contribuições do Iraque, do Canadá e dos EUA – estes
pela forte expansão das extrações pelas tecnologias fractais. Veja-se, por
exemplo, o Canadá que em 1985 produzia 1,8 milhões de barris/dia – uma dimensão
similar a Angola – e, em 2014, quase triplicou para 4,2 milhões de
barris/dia.
No caso do Iraque, em particular, a
recuperação da produção é espetacular. Em Janeiro de 2015 a produção foi de
cerca de 4 milhões de barris por dia um crescimento de 30% sobre o ano
anterior. Para que se tenha uma ideia, a previsão de produção no Iraque aponta
para 9 milhões de barris por dia em 2020 – cinco vezes mais do que a
angolana.
O forte crescimento da produção de
petróleo nos EUA e no Canadá alterou profundamente os fluxos internacionais,
com importantes implicações geoestratégicas. Enquanto há uns cinco anos os EUA
importariam uns 11 milhões de barris por dia tendo o Golfo uma quota de uns
60%, no último ano estas importações baixaram para uns 6 milhões de barris por
dia e o Canadá representa uns 60% desta necessidade.
Em 2014 as importações da OPEC para os
EUA baixaram para uns míseros 2,6 milhões de barris dia. O prolongamento das
tendências recentes aponta para um cenário onde o Canadá possa fornecer a
totalidade das necessidades de importação americanas de petróleo. As Monarquias
Sunitas do Golfo perderam, assim, a sua relevância geoestratégica e estão mais
que nunca dependentes dos EUA.
A ameaça de perda da relevância
geoestratégica impeliu a Arábia Saudita e os Emirados a defender a sua
quota de mercado na produção mundial – em vez de acomodar a queda da
procura com a sua tradicional quebra de produção para suportar os preços. A
Arábia Saudita percebeu que a manutenção do preço incentivava a rápida
introdução das tecnologias fractais e, ainda mais, dava força ao emergente
poder Xiita no Iraque, estabilizando os Xiitas do Irão e as ambições Imperiais
de Putin.
Uma forte queda do preço do petróleo serve,
assim, os interesses geoestratégicos das Monarquias do Golfo (com reservas mais
do que suficientes para aguentar um, dois ou três anos de vacas magras) e dos
EUA. Enfraquecer os Xiitas e os Russos foi uma bela jogada no xadrez da
política internacional. Pelo meio há uns danos colaterais como o “fogo amigo”
sobre Angola e a completa destruição do Chavismo.
Eis, portanto, e em resumo porque creio
que o preço do petróleo nos próximos dois anos tenderá a estar numa banda mais
baixa ($40/60) do que mais alta ($100/120).
As implicações deste quadro global
petrolífero para Angola são muito significativas. É preciso notar, desde logo,
que Angola é um “price taker” no mercado petrolífero, isto é, não tem
mecanismos de leverage que diferenciem a sua posição e permitam que de algum
modo influenciem os preços do petróleo.
Angola representa apenas 2% da produção
mundial de petróleo e 5% da quota da OPEC. Com a sua produção de 1,8 milhões de
barris por dia e a produção de 599,1 milhões de barris em 2014, Angola
não está nos 15 maiores produtores de petróleo do Mundo. As reservas conhecidas
no montante de 15 mil milhões de barris são importantes mas muito distantes dos
grandes “peso-pesados”: Venezuela 298; Arabia Saudita 265; Irão 157; Iraque
150; Kuwait 101; Emirados 97.
Por sua vez, Angola exporta 57% do seu
petróleo para a China com contratos de longo prazo (cerca de metade dos quais a
preço pré-fixado). O quadro macro de necessidades da China de abastecimento de
petróleo está, ele próprio, em fluxo. A procura, como vimos, está em
desaceleração e nas alianças geoestratégicas a Rússia assume o papel de
fornecedor crescente – juntando a “fome com a vontade de comer” de ambos na sua
aliança contra os EUA.
Não admira, portanto, que a China se
mostre, hoje, um parceiro mais difícil de negociar do que no passado – logo
agora que Angola mais necessita. A próxima visita do Presidente Eduardo dos
Santos ao Palácio do Povo não será um fracasso mas estará longe dos objetivos
pretendidos.
Andou, assim, bem o Presidente Eduardo
dos Santos a ordenar cautela e a aproveitar as dificuldades para dar impulso a
transformações estruturais de largo alcance na economia angolana.
No plano imediato é fundamental baixar o
custo de produção da Sonangol. Neste sentido foi nomeado para a Presidência
José Lima Massano, uma pessoa com forte perfil financeiro e considerado um dos
melhores quadros técnicos do país. Foi já anunciado um fortíssimo programa de
corte de custos envolvendo fornecedores (cortes de cerca de 50%) e pessoal,
incluindo as (elevadas) despesas de formação e representação. É fundamental
cortar, pelo menos, uns $10 ao custo médio de produção da SONANGOL que anda
neste momento nos $60 por barril.
No plano cambial, evidentemente teve
lugar uma forte queda das reservas cambiais em 2014 com uma queda da ordem dos
30% para cerca dos $25 mil milhões. Para além de restrições sérias na
convertibilidade para proteger as reservas cambiais com leilões semanais mais
restritos pelo BNA, foi já anunciado um programa de restrição e proibição de
certas importações que terão o inevitável efeito de aumentar a produção local,
diversificando a economia. Este será, espero, um exemplo do velho ditado “há
males que vêm por bem” mas também “não havendo bela sem senão” obviamente os
exportadores – nomeadamente os 9 000 exportadores portugueses para Angola que
representam 35% do total das importações – vão ser irremediavelmente afetados
(alguns séria e definitivamente).
Mas a transformação económica com o
alargamento da base produtiva local, nomeadamente substituindo importações,
exigirá mudanças institucionais e de cultura empresarial muito profundas e que
não são fáceis de atingir a curto prazo. Desde logo, a questão da segurança
individual é decisiva mas outras questões “soft” não o são menos.
O Banco Mundial elabora todos os anos o
“Índice Doing Business” cobrindo 189 países no Mundo. Neste Índice de 189
países, Angola – sejamos verdadeiros – está classificada em 181. Isto é,
Angola é praticamente um dos piores países do Mundo para fazer negócios. Em
vários critérios a situação é verdadeiramente alarmante: Resolução de
Insolvências 189; Execução de Contratos 187; Obtenção de Crédito 180; Abertura
de Empresas 174; Registo de Propriedade 164; Obtenção de Eletricidade 157.
Alterar este quadro institucional é indispensável mas, na verdade, tarefa
gigantesca.
A situação cambial obviamente ficou sob
forte tensão. Os pagamentos internacionais estão seriamente atrasados e mesmo
pequenas quantias, como o pagamento de colégios dos filhos a viver em Portugal,
estão muito dificultados. O Kwanza, não obstante, no último ano teve uma
pequena desvalorização oficial dos cerca de 95 para os cerca de 105
para o dólar. Mas no mercado dos “Kinguilas” o (escasso) dólar que circulava há
semanas a 120, já cotiza – no dia que escrevo – a 170.
Esta desvalorização “oficial” do
Kwanza de uns 10%, está muito longe do “leading indicator” do cambio
“Kinguila”. Evidentemente que não há razões para o Kwanza ter um descalabro
como o que aconteceu com o Rublo ou o Bolívar. Mas isto sugere que
a desvalorização cambial estará a ser fortemente reprimida para controlar a
inflação mas, diria sobretudo, para dar uma noção de controle da situação
financeira.
As experiências internacionais de
repressão cambial mostram que raramente têm êxito. Pelo contrário, quando os
fundamentais são adversos, como neste caso, o prolongamento da repressão
cambial redunda em queda ainda maior. Não me surpreenderia que, em breve,
o Kwanza “oficial” esteja perto dos 180 para o dólar e quanto mais rápida se
der a desvalorização, melhor.
Finalmente, no plano Orçamental depois
do deficit de 4% em 2014 a revisão em curso para 2015 sugere um
(impressionante) deficit acima dos 14% . Estima-se que em 2015 se arrecadem
menos $14 mil milhões com impacto direto no saldo pois os impostos petrolíferos
representam cerca de 75% do total das receitas fiscais.
Concordo que o Governo Angolano andaria
mal se fosse mais restritivo nesta conjuntura. Faz todo o sentido utilizar o
que os economistas Keynesianos chamam de “estabilizadores automáticos” pois a
dívida pública/PIB em Angola está abaixo dos 20% e isso dá amplo espaço para o
estímulo económico em moeda local.
De todos os modos, mesmo com esta
abordagem Keynesiana dificilmente o PIB deixará de ter uma forte queda.
Estima-se que o PIB depois de ter caído uns 2% em 2014, poderá contrair uns 4%
em 2015. Uma alteração radical face aos bons tempos recentes de crescimento
quase a dois dígitos afetando seriamente uma comunidade de 200 000 portugueses
que fazem a sua vida em Angola.
Uma alternativa menos Keynesiana poderia
revelar pouco senso político abrindo espaço a forte instabilidade social. Por
outro lado, fará todo o sentido alterar a composição da despesa na linha das
recomendações do FMI diminuindo os subsídios que favorecem “os ricos”,
aumentando em Saúde e Educação. Mas os “ricos” são o apoio político do regime e
não será sem consequências que uma tal evolução se poderá dar.
Em resumo, creio que a imensa capacidade
política do Presidente Eduardo dos Santos estará a ser posta à prova em
dificuldades porventura sem paralelo desde a Independência de Angola.
Embora os analistas se refiram ao preço
do petróleo como a génese das dificuldades em Angola, existe na verdade um
quádruplo choque assimétrico: a alteração do risco país pelos ponderadores
determinados pelo BCE; a queda do preço do petróleo; a menor relevância de
Angola para a China como fornecedor de petróleo; enfim, uma forte
desvalorização do Kwanza.
Este quádruplo choque converge numa
grande vertente que são as grandes dificuldades de financiamento para o sistema
financeiro angolano. A forte e inevitável desvalorização não será de maior para
o Estado angolano pois a dívida de Estado de uns $25 mil milhões é acomodável.
Mas acarretará importantes insolvências para os privados – incluindo o sistema
financeiro – que se tenham financiado em moeda estrangeira. Os contornos
de uma crise bancária em Angola são evidentes impondo-se uma atuação
proactiva e determinada do BNA.
Que saudades o BESA fará.
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