terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Angola: do inferno à salvação...





Até há poucos meses, boa parte do que se lia e ouvia sobre Angola dizia respeito a negócios suspeitos mwangolês em Portugal. Muitas das supostas acusações mudavam de figura se os intervenientes em negócios similares fossem chineses, russos ou colombianos, já para não falar dos árabes, esses regimes exemplares aos olhos dos mesmos críticos... 
Penso que não há muitas dúvidas de que se um chinês, um russo ou mesmo um brasileiro for visto a fazer compras na Av. da Liberdade esse facto não merecerá grandes comentários,  mas se for um angolano tudo mudará de figura. Se um grupo chinês compra a EDP ninguém questiona a honestidade do dinheiro, mas se um grupo angolano adquire outro símbolo português cai o Carmo e a Trindade e é logo dito que o dinheiro é suspeito, ou ainda pior.
Quando o SOL foi comprado por empresários angolanos, há perto de cinco anos, passei a ir com frequência a Angola, primeiro, e depois a Moçambique onde lançámos as versões 'solares' desses dois países. Quando aterrei a primeira vez em Luanda e cheguei ao hotel, depois de passar por alguns bairros assustadores, tive a primeira surpresa: a seis mil quilómetros de distância eu estava a tomar um pequeno-almoço onde os produtos portugueses estavam em clara maioria.
Ao almoço e ao jantar a presença portuguesa manteve-se e até aumentou. Dos tremoços (!) à manteiga, ao azeite, passando pela carne e terminando no vinho, quase tudo dizia 'made in Portugal'. Nas ruas, as empresas de construção civil lusitanas eram responsáveis por grandes obras. Milhares de portugueses trabalhavam e viviam em Angola, mas o que justificava um grande alarido eram os negócios suspeitos dos angolanos em Lisboa e arredores.
Hoje tudo mudou, no que às preocupações diz respeito. O vinho, as manteigas, as cervejas, as carnes ou o peixe continuam a chegar a Luanda, em menor volume desde a crise do preço do petróleo, e milhares de expatriados - e muitas empresas - receiam ser obrigados a regressar a Portugal.
E é esse facto que tem merecido as capas de revistas e tempo de antena alargado nos telejornais. Mas dando uma volta por Luanda, de onde escrevo esta crónica, percebe-se que muitos não pensam sair daqui e que esperam que a crise passe tranquilamente.
Enquanto janto e almoço em restaurantes muito diversos, do mais barato de rua ao mais caro, vejo e ouço muitos angolanos a falarem de Portugal com um brilho nos olhos. Desperdiçar uma vida em comum onde a língua permanece e cresce parece-me um disparate total. Seja em Angola, Moçambique, Brasil ou qualquer país que fale a língua de Camões.
Por Vitor Rainho
sol.pt
ANGOLA24HORAS

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