terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Albert Camus. Aldeias e povoados inteiros são regularmente incendiados, a tortura como instrumento administrativo é moeda corrente


Historicamente, todas as frações burguesas que governaram participaram na gestão sangrenta da Argélia colonial e pós-colonial, com o apoio permanente do estado francês que tanto se vangloria de ser "a pátria dos direitos do homem".

http://www.algosobre.com.br/historia/administracao-colonial.html

Debilitado pela luta ascendente dos proletários na região, desde 1944, o espaço de valorização argelino foi, desde o princípio cimentado por diversos massacres efetuados na região de Magreb (Sétif, Fez...), depois, pela "independência nacional" e, por fim, pelo reforço do papel do exército na boa marcha dos negócios capitalistas. Ou seja, há décadas, na Argélia, os proletários excedentes são massacrados de forma direta, cruel e brutal. Aldeias e povoados inteiros são regularmente incendiados, a tortura como instrumento administrativo é moeda corrente, só muda a justificação invocada. Há dez anos, a continuidade dos massacres está assegurada graças a imposição da polarização "governo contra fundamentalismo islâmico" com a aparição da FIS, organização islâmica que desempenha o papel de uma clássica fração social-democrata.

Confrontada sucessivamente com a fração colonial (sempre presente), independentista, logo islâmica, os proletários tendem progressivamente a identificá-los globalmente como "sua própria" burguesia. Contrapondo-se ao mesmo tempo ao estado francês, a Bouteflika, aos generais, ao FIS, ao FFS, ao RCD e ao FMI, os proletários afirmaram na prática um reconhecimento cada vez mais claro de seu inimigo de classe: o estado do capital em geral, sob todas as suas formas e em todos os seus níveis de organização.

De fato, a sucessão das frações burguesas no governo repousa na sua incapacidade relativa para organizar as condições de produção que maximizam a valorização do capital, especialmente com base no aumento incessante das taxas de exploração dos proletários. A manutenção ou a substituição dessas frações depende não somente de sua capacidade de se impor e se manter dentro da guerra permanente que travam entre si, a fim de incrementar seus capitais respectivos, mas também de sua eficácia na gestão do antagonismo de classe, mais ou menos expresso conforme as circunstâncias históricas. Estes dois aspectos são indissociáveis do papel social da burguesia como classe dominante. A permanente presença, direta ou indireta, do estado francês se inscreve assim dentro da necessidade internacional de manutenção da coesão social na região.

O FIS é o produto de uma centralização de grupos estruturados em torno da ideologia islâmica. Adquiriu sua força como organização do descontentamento geral dos proletários na Argélia desde princípios dos anos oitenta. A prática desta canalização foi, desde o seu nascimento, canalizar a combatividade proletária para o terreno religioso: só o combate pela soberania de Alá permitirá recobrir de alegrias a vida, arrebatada pelos pagãos. O FIS enquadra as lutas reais do proletariado, desnaturando seu conteúdo. A vantagem que apresenta o enquadramento religioso, para a reprodução da dominação burguesa, é reconhecida inclusive dentro do governo do FLN (Frente de Libertação Nacional), que durante esses mesmos anos não cessou de financiar a construção de novas mesquitas e escolas muçulmanas, favorecendo de fato o desenvolvimento do FIS.

Nem "generais", nem Bouteflika, nem FMI
Em fins de agosto, o presidente Bouteflika organizou um "festival mundial da juventude e dos estudantes", dedicado "à amizade entre os povos e ao antiimperialismo". Pensava que um discurso antinorte-americano e populista melhoraria sua imagem frente aos jovens proletários. A reação proletária foi boicotar e denunciar abertamente essa mentira: "Os organizadores deste carnaval, que dizem estar contra a mundialização e a favor dos jovens, são precisamente aqueles que negociam com o FMI e mandam disparar sobre a juventude" (Le Vif-L’Express, semana de 24 de agosto de 2001). Denunciando a cumplicidade burguesa na colocação em marcha da repressão e a política de austeridade do FMI, o proletariado identifica cada vez com maior clareza o conjunto da burguesia que lhe faz frente como seu inimigo de classe. A exploração não é unicamente executada pelos generais, os inimigos exteriores ou outras frações que nos apontam com o dedo. O fracasso da tentativa de Bouteflika de mobilizar o proletariado numa luta antinorte-americana mostra que, cada vez mais, o movimento na Argélia é capaz de identificar claramente o conjunto da burguesia que lhe faz frente como o defensor dos interesses mundiais do capital. No curso desses acontecimentos, o proletariado recusou concretamente o jogo e as manobras que buscavam encerrá-lo numa polarização burguesa (norte-americana versus antinorte-americana), afirmando assim sua resoluta oposição aos generais, o FMI e Bouteflika.

Imagem: http://ogrifoemeu.files.wordpress.com/2009/07/camus-o-estrangeiro.jpg

Sem comentários: