quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

A Epopeia das Trevas (109). Que vitoriosa insensibilidade à destruição e à morte este povo se contemplou


No quinto andar a meio da varanda plantada, airosa
orgulhosa, desenvolve tronco obstinada árvore
O crescimento alonga-lhe a fenda, buraco desnivelado
A ramagem optimiza um estendal de roupa
Tiraram a vontade à água para subir, a electricidade dificulta o luzir
Recomeça a escravidão, exploração intensiva. As crianças desalinham-se
confrontadas com pelotão de fuzilamento senão utilizarem o carregar braçal, animal
O liquido térreo poderoso, oneroso nos seus corpos
Que lhes desviará a tenra coluna vertebral
Novos tempos, novas arquitecturas. Pedantes inquilinos alcandoram-se
recém chegados, promovem terramotos que desabam as paredes internas
alternam as estruturas. Partir, desfazer, destruir por entre barulho infernal
O poder do dinheiro fácil consolida-se. Poderoso, majestoso senhorial
estaciona o gerador na base que era do elevador. Perdido na lei do seu quintal
iluminado, de oásis envenenado

Entupiram as fossas que esguicharam merdice e riem-se, felizes
do lodo humano oprimido nas galerias tubulares. Quanta mais merda mais felicidade no prédio

Ninguém se importunou com o habitat anormal da convivência sem regras
O perfume abjecto dita o paradigma da aceitação social
O lazer decisório impõe o retorno medieval
Do cavar vala e escoar o fedorento nojo pela rua afora
E das cagadelas, comemoram-se festejos pelo feito alcançado
devidamente autorizados por quem de direito
A água da infiel empresa do fornecimento abastece a horas incertas
No primeiro andar as torneiras coloniais esgotadas pelos anos destruidores
jorram minando os alicerces prediais
Culminando na destruição precoce. Batem-se palmas e sorrisos por tais feitos
nunca antes vistos

No quinto andar acomodaram as portas com bocados de lenha tétrica
que desesperadas, esperam a visita de Edgar Allan Poe
Lúgubres paredes invocam os espíritos dos antepassados
Repartem-se, aproveitam-se, sobram bocados
Na casa de banho dois buracos fétidos improvisados espreitam os necessitados
No chão fissurado as intempéries invadem o tecto do quarto andar desfeito
Estóico nas restantes áreas, funda-se, desce, afunda-se no marxismo-leninismo

Um fusível principal interrompe o circuito da energia eléctrica. Electricistas com instrumentos sofisticados parecendo do Além com um qualquer alicate, na falta improvisam algo, puxam, repuxam cabos
A potência eléctrica desordenada aumenta, os fusíveis restantes enfraquecem
adoecem sem remédio. Acabou-se, extinguiram a iluminação,
repõem-na e algumas labaredas despertam o terror
da erupção do vulcão eléctrico. Lançam fugas com risada para a plateia
pela gratuitidade da tragédia merecida

Nas traseiras dos prédios reforça-se a proeminência do poder
grande, entre os grandes generais imperiais
Mandarem partir, evacuar paredes. Saem festejos, com álcool a jorros.
Como um rio desviado do seu curso, nascem lagos, lagoas

Que vitoriosa insensibilidade à destruição e à morte este povo se contemplou

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