segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

A Epopeia das Trevas (91). Não há, nem acredito nos mistérios dos ministérios das promoções das mulheres angolanas


Acho isto tão vulgar, que não sei se devo narrar.
Deixaram-se só
A minha família… uns morreram nos contentores de armas na Libéria
Outros nas catanas da Serra Leoa, outros na Somália metralhados
Os meus pais e os meus filhos em Angola bombardeados
E não sei mais quantos nas ruas cadavéricas do Ruanda

Cacei um marido. Sempre bêbado chegava a casa e batia-me
Fugi-lhe do lar onde a nascente do sol deixou de fluir
Estou feliz na companhia da rua dos ratos.
Não há, nem acredito nos mistérios dos ministérios das promoções das mulheres angolanas
As associações de direitos humanos não me podem valer
São como as telenovelas importadas, vemo-las e achamo-las interessantes
Deram-me a liberdade, tiraram-me a Universidade

Estou a estragar a minha tristeza. Esquecida, abandonada, como se não existisse
De facto não existo, porque a minha Angola se afundou
Nos campos petrolíferos
Doem-me as costas, estou muito tempo na mesma posição
da governação. Agachada sem uma réstia petrolífera
Sem estribos para subir, mudar a situação
Se tento descansar, alertam-me que estou a preguiçar
Paro, levanto-me. Não sei quem ligou os holofotes solares
Parecem uma lanterna grande. A luz ilumina as copas das árvores
Já não são verdes. Ela aproxima-se, vai-me dar banho.

Ergo a custo (a fome) a cabeça bem para o alto e vejo os meus seios nas montanhas
Alguns pássaros voam para mim, e saúdam-me
De repente sem saber porquê, grito: Ó Nzambi! Ó Nzambi!
O banho de sol é muito quente
Estou a transpirar, na escassa roupa para me tapar
Desperto da minha volúpia. Ele está próximo, capto a sua voz
Já chegou outra vez, a colonização. O seu olhar cobiça-me os seios. Adivinho o que vai dizer
«Ó negra, estás a preguiçar muito!»
Baixo-me e arrasto os frutos dos cafeeiros
Com a ferramenta de madeira, arrastadeira
Os outros estão a preparar os sacos para ensacar
Não sei quando vem a libertação desta transpiração
Ela chegará! Chegou a dipanda!
Finalmente livre… nas ruas da amargura, sem vestidura
A vender a minha desventura corporal a qualquer um

Adestrava o cúmulo do tumulto da multidão
Perguntei-lhes: vieram a salomão?
Responderam: está fortalecido na prisão do camaleão
Dos nossos professores de direito constitucional
Vi-o, o lixo da criança que a alimentava
Na tábua rasa que flutuava, não homologada no livro da fome
Das páginas dos recordes Guiness. Atrevi-me a lamentar:
Glorioso, elementar sofrimento eleitoral
Não durmam eleitos, abandonem os leitos

1 comentário:

Anónimo disse...

Agora sim. Descrever a realidade africana sem, por isso, portugalizar o conteúdo. Atingiu a dimensão de um verdadeiro artista literário. Tem estilo próprio. Bravo.
Francisco Reis Batista