quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Missão Haiti. Em momentos de crise, as pessoas chegam ao extremo de produzir bolinhos de argila


Invertendo a lógica que costumamos presenciar nas grandes cidades brasileiras, onde as populações mais pobres ocupam as áreas de morros e escarpas, formando as famosas favelas, enquanto os mais abastados desenvolvem seus bairros em áreas planas e longe de perigos como desabamentos, enchentes e outras mazelas.

Hoje faz uma semana que cheguei a Port au Prince, capital do Haiti. Conto aqui a primeira impressão que tive sobre a cidade, e mais tarde sobre o país. Nas reuniões prévias que tive em Brasília sobre a missão, fui por várias vezes alertado para a situação complicada e perigosa a qual se encontra esse povo.

http://nativo21.blogspot.com/2009/02/missao-haiti-ii.html

Porém, sempre me ficou uma dúvida se não existia um certo exagero por parte dos colegas da Agência Brasileira de Cooperação, com a finalidade de nos preparar para uma situação nada tranqüila. A primeira visão que se tem da capital haitiana é a do grande e famoso bairro Cité Soleil (Cidade Sol), que se tornou símbolo de violência no Haiti, com 250 mil pessoas, a maioria crianças, amontoadas em barracos, sem energia, água potável e sem esperança de um futuro melhor.

A visão de Porto Príncipe parece assustadora. A cidade é composta por grandes aglomerados sem uma estrutura definida, invertendo a lógica que costumamos presenciar nas grandes cidades brasileiras, onde as populações mais pobres ocupam as áreas de morros e escarpas, formando as famosas favelas, enquanto os mais abastados desenvolvem seus bairros em áreas planas e longe de perigos como desabamentos, enchentes e outras mazelas. Aqui, os morros, já sem nenhuma vegetação, são ocupados por uma infinidade de construções cinza, e as famílias mais ricas constroem seus refúgios paradisíacos acima da cidade, como a observar do alto a cidade agonizante aos seus pés.

No Haiti restam apenas 2% da vegetação natural. Não existe sistema de transporte que garanta a integração viária neste pequeno país de 27.700 km2. Enfrentando uma grave crise econômica, social e política, com a forte presença militar estrangeira em seu território, e com a massiva pauperização da população, o índice de analfabetismo alcança 45% da população; menos de 1 pessoa, dentre 50, possui um emprego fixo. Vale lembrar que, num passado promissor, o Haiti foi o maior produtor mundial de cana de açúcar e um dia foi a colônia francesa mais rica e influente das Américas.

O fantasma da fome parece rondar eternamente a população haitiana. Em momentos de crise, as pessoas chegam ao extremo de produzir bolinhos de argila, isso mesmo, argila, para saciarem a fome e não perecerem diante dela. Não existe água tratada. Não tem energia elétrica na maior parte do país. Não existem hospitais. As escolas são poucas e ainda pagas pela população. As atividades comerciais se resumem ao vende-vende de bugigangas e de produtos alimentícios (de qualidade duvidosa) em “feiras” e beiras de estradas, além do frenesi dos tap-taps (carros velhos e batidos que fazem o transporte coletivo). No Haiti não há ônibus para a locomoção das pessoas. O Haiti tem o tamanho do estado de Alagoas e uma população de cerca de 9 milhões de pessoas. Cerca de 85% delas estão na zona rural. Encontrei um quadro de desorganização total das instituições públicas. Aqui o Estado é sempre ausente. Cerca de 60% do que é consumido vem de importações e de doações de outros países.

Porém, passada essa primeira impressão que me deixou bastante triste, começo a vislumbrar possibilidades de melhoria e de esperança de um futuro melhor. Visitando comunidades rurais em várias regiões do país, pude observar qualidades no povo haitiano que parecem estar esquecidas ou escondidas. Na verdade, parece que essas qualidades são evitadas pela maioria das pessoas que podem fazer algo para ajudar. Encontrei comunidades rurais organizadas para a melhoria da produção. Famílias que se unem para construir e manter escolas comunitárias, onde o governo não está presente, a fim de diminuir a situação de analfabetismo. Quase todos os haitianos falam francês e creolo, uma variação do frances falado por 100% da população.

Muitos haitianos falam inglês e espanhol, como forma de não ficarem marginalizados. Uma estratégia de sobrevivência. Uma infinidade de instituições internacionais se faz presente no país tentando ajudar de alguma forma. Os haitianos têm uma forte convicção de sua soberania e lutam com todas as armas e forças para preservar isso. Porém, 99% da população vivem na pobreza extrema, dominados por 1% que detem toda a riqueza e se alia a forças externas (políticas e financeiras) para manter essa eterna situação de subjugação da população.

Nossa missão está no meio do trabalho, já visitamos comunidades, mercados, instituições públicas. Cada vez mais acreditamos que sim, temos possibilidades de fazer um bom trabalho. A idéia original era de implementar um programa de aquisição de alimentos, nos moldes do PAA – Programa de Aquisição de Alimentos – brasileiro. Porém, vimos que o país ainda não tem condições nem força política para tanto, apesar de já existirem experiências pulverizadas financiadas por instituições internacionais, como o Programa Mundial de Alimento – PMA, das Nações Unidas. Esses programas geralmente realizam aquisições de alimentos de produtores que têm uma escala de produção e uma certa qualidade garantida, excluindo totalmente os pequenos agricultores locais. Partimos, então, para a implementação de uma experiência menor, organizando associações e investindo em assistência técnica e extensão rural.

Dessa forma, estaremos ajudando o Haiti a criar seu próprio programa de fortalecimento da agricultura familiar, sempre voltado para a inclusão social e a segurança alimentar, ponto de partida para o desenvolvimento dessa nação tão sofrida.
Num lugar assolado por catástrofes naturais, pobreza e corrupção excessiva, mas cheio de belezas naturais, com um potencial incrível para turismo e produção de alimentos (não devemos esquecer que o Haiti está cercado pelo belo mar verde-azulado do caribe), fico com a sensação que temos, no Brasil, experiências de sobra para prestar uma boa cooperação aos nossos irmãos latino americanos.

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