domingo, 17 de janeiro de 2010

A Epopeia das Trevas (97). Piora a eterna ditadura das modernas naus desta velha escravatura


E o meu movimento de libertação chegou. E me libertou: «Agora já não somos mais escravos. Somos finalmente independentes. A terra, o país… tudo é nosso. Somos finalmente livres. Já não precisamos mais de trabalhar. Tudo o que era do colono fica para nós. Nunca mais seremos tristes. Nos nossos rostos reinará para sempre um sorriso de felicidade.»

Insistiram as minhas amigas
as igrejas da macumba é que estão a dar
Caí no chão duma delas mal abençoada
Escavam-nos mel dizimado de uma assentada
fugi, não quero mais!
Porque a magia negra deles exigia das crentes
as cuecas, biquínis, tangas, calcinhas
do feminino interior, das seivas dos cultos ocultos
Nunca tão poucos Shakas dizimaram tantos bantus

O meu país, o meu reino, dizem os aventureiros, que é tão potente
portentoso desenvolvimento, com tanta reconstrução
tanto envolvimento. Que é um país que cresceu muito
não sei quantos quilómetros quadrados mais
Creio que corromperam as fronteiras dos países vizinhos
Ou desconhecem a superfície da minha nação, do meu reino
Que aumente, diminua, não melhora a minha desgraça
Piora a eterna ditadura das modernas naus
desta velha escravatura

Filhos? Para quê! Para morrerem de fome!
e das doenças que ela provoca, e falecerem nos laboratórios
hospitalares do nosso Dr. Mengele

Se compro algo de valor e na minha casa entrar
nada, absolutamente ninguém me vai ajudar
Os gatunos entram, saem, restando o vazio do lugar
A polícia persegue-me com pesadelos, que não posso controlar
Nesta democracia da fome, prefiro, já aderi aos terroristas
que me dão comida

O auge da noite voltou, colou o imorredouro mal
De Spartacus e os seus jovens gladiadores revoltados
nascem da sombra que ensombra a luta
contra mais este império da escravidão

Três decuriões comandam as suas decúrias
Avançam posições e alguns podem cuspir fogo
Bailam-se os lamentos. Que os esfomeados incomodam
se transformam em formigas, moscas, ratos, cães vadios, e morcegos-vampiros
À noite dormem nas cavernas. A fome avança, estende-se, alarga-se
Com ela as epidemias: a cólera é a epidemia dos miseráveis, dos espoliados
São a tristeza de uma trintena de garotos que adquiriram o hábito
de irradiar, nascer das ruas, viver nas cavernas nuas
Montam plantão no minimercado, na padaria, no cruzamento da rua movimentada
O plano marcial bem treinado, foi acoplado
Alguns param no meio da rua obrigando os carros a pararem
Ou passar por cima deles, o que não acontece
Têm muitos artefactos para arremessar das suas torres de guerra
Exigem dinheiro estendendo solenemente uma mão
Os condutores não podem evitar a surpresa
e escudam-se no torpor da incerteza

Imagem: FOLHA 8

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