segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

A Epopeia das Trevas (84). Governar é fácil, perguntem aos abutres


Vejam o que me fizeram e não retiveram
Os sons que agora oiço dos pés nus e mãos estendidas
O meu nome está à venda, esse sentimento perdido
Como uma pequena janela, que nem isso já tenho
E o meu nome era o futuro… depois do ano 2000
O meu futuro, o meu relógio parou, já não se usa
nos programas rodados sem computador
Nem comecei, parei, à espera da hora,
demora falar
Perdi a escalada do véu que me conduz ao céu

Estamos juntos, tão próximos e contudo tão distantes
Como lágrimas de crianças órfãs
Como tudo o que é belo e sempre efémero

Governar é fácil, perguntem aos abutres
Quando dois homens não se entendem, o dinheiro está errado
Tenho que apressar-me, vou revolver o lixo da esperança
Sem ela, de encontrar o que resta do meu nome
Sento-me, sinto-me cansada

Tudo o que for construído, destruído será
no cinismo da hipocrisia africana
onde diariamente tudo se agrava
Cai aos pedaços, sem terramotos
Os vulcões humanos ardem africanos
Tudo se grava, cai dia após outro dia
Sem escolas, sem ensino adequado
O meu cérebro está atrofiado
É por isso que dizem «É o Continente atrasado»
A História humana é a história dos punhais
Se os campos de futebol lavrassem terra
teríamos abundância de comida
Adeptos do futebol, escravatura moderna

Não consigo afirmar-me à espera do profeta
As lágrimas saltam no meu rosto quando penso
Os animais agitam-se enquanto Deus estende as suas mãos
A um amor desconhecido sentado na margem dos mil rios

Vi a mãe entregar o seu bebé para fugir da fome
O mar tentando galgar montanhas inundando inumanos
voltando aos princípios
Os seres humanos perdidos na selva de betão
Acorrentados, armadilhados felizes na bestialidade
para sempre eterna

O bebé para sempre abandonado sorrindo
para o mundo hostil
Vi muitos nós para sempre complacentes, cúmplices na desgraça
Vi os silêncios de cada instante no nosso olhar de cada dia
Como cães selvagens na fuga incerta para um lugar
Tentei adormecer no desalento amanhã da mamã
Confirmar a aventura, continuar na desventura
neste pão angolano sempre órfão

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